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CRÍTICA
Longa explora abuso de poder
CRÍTICO DA FOLHA
Em "Fora de Controle", cada personagem tem a causa que merece. Doyle Gipson (Samuel L. Jackson), pai alcoólatra em busca de reabilitação, luta pelo direito
de fazer parte da vida dos filhos. Gavin Banek (Ben Affleck), advogado arrivista de Wall Street, luta para se adaptar às regras do jogo da elite financeira americana.
Os dois nos são apresentados em seus percursos por uma clássica montagem paralela que culmina, meio tolamente, numa batida de carro a caminho do fórum.
Atrasados para seus respectivos julgamentos, retomam seu caminho, mas seus mundos paralelos nunca mais serão os mesmos.
Cada um perde, com a batida, a sua melhor oportunidade: Doyle perde a hora certa e, com ela, seus direitos paternos; Gavin, a procuração que lhe daria ganho de causa. Nas mãos de Doyle, esta se torna o centro da relação de poder
que se estabelece entre eles. Para forçar o outro a devolver a sua procuração, o advogado encontra mecanismos que suplantam, em ilegalidade e violência, as mais
agressivas reações de Doyle. Do evidente desequilíbrio dessa relação de força nasce o verdadeiro tema do filme, o abuso de poder.
Os mecanismos que Gavin, o jovem branco de elite em processo de afirmação, usa contra Doyle, o senhor negro de classe média baixa em processo de reabilitação,
são, para o roteirista Chap Taylor, privilégios de classe. O próprio
Gavin acaba retratado assim como uma vítima das lições de hobbesianismo social do sogro
(Sydney Pollack).
Para inocentar Gavin em detrimento de sua classe, Taylor chega
a criar um falso dilema moral para o personagem, seu principal
equívoco. Difícil acreditar no drama de consciência de um personagem com antecedentes como
os de Gavin -é verdade que o arsenal dramático de Affleck tampouco ajuda. Somente o trauma
recente do público americano
com os escândalos de grandes
fraudes financeiras para explicar a
hesitação diante da falsificação de
um documento, de um personagem que já provou ser capaz de fazer de tudo por sua carreira, como
forçar um moribundo a assinar
uma procuração de sua herança.
Taylor condena a classe, mas
preserva o herói. Por mais que a
platéia seja levada a rir quando, a
horas tantas, um advogado recém-formado surge na tela para
declarar sua profissão de fé na justiça e na lei, o improvável drama
de consciência de Gavin não deixa
de soar como um último refugo
do velho ideal de verdade dos mocinhos (dos "homens verídicos")
do cinema clássico americano. Só
que o "homem verídico" tornou-se uma exceção num mundo comandado por falsários e em que a falsificação é a regra. Eis o retrato de uma América "fora de controle". (TIAGO MATA MACHADO)
Fora de Controle
Changing Lanes
Produção: EUA, 2002
Direção: Roger Michell
Com: Samuel L. Jackson, Ben Affleck
Onde: a partir de hoje nos cines Butantã 1, Frei Caneca Unibanco Arteplex 5 e circuito
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