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FESTIVAL DO RIO BR 2002
"A JANGADA DE PEDRA"
Nobel do escritor atrapalhou produção
Francês usa ironia para levar Saramago às telas
IVAN FINOTTI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Uma falha geológica surge nos
Pirineus e separa a península Ibérica da Europa. Enquanto Portugal e Espanha navegam à deriva
pelo Atlântico, cinco pessoas e
um cachorro peregrinam atrás de
respostas. Esse é o mote de "A
Jangada de Pedra", de George
Sluizer, 70, baseado no romance
do português José Saramago.
Ao custo de US$ 4,8 milhões,
"Jangada" é o 11º longa do francês
Sluizer, que tem antiga relação
com o Brasil. Seu primeiro longa
foi rodado aqui nos anos 70 e ele
voltou ao país dez anos depois para ajudar na produção de "Fitzcarraldo", de Werner Herzog.
Novamente no Brasil, para lançar seu filme no Festival do Rio
BR 2002, ele falou à Folha.
Folha - O senhor começou a trabalhar nesse filme antes de Saramago ganhar o Nobel, em 98. O
prêmio ajudou bastante, certo?
George Sluizer - Não exatamente. Trouxe vantagens na Espanha
e me prejudicou na França e nos
Estados Unidos.
Folha - Mas como um Nobel pode
ter prejudicado uma produção?
Sluizer - O financiador francês
tinha me dado US$ 1 milhão. Mas,
quando soube do Nobel, pediu de
volta, dizendo que a história deveria ser sofisticada, inteligente, intelectualizada, difícil, e ele não
queria produzir esse tipo de filme.
Folha - E nos Estados Unidos?
Sluizer - Nos EUA, foi mais complicado, pois os bancos envolvidos queriam o investimento de
volta com juros mais altos, então
eu desisti. A maioria do financiamento veio mesmo da Holanda,
onde não houve problemas.
Folha - Saramago viu o filme?
Sluizer - Eu mostrei para ele em
Lisboa. Sua primeira reação foi
me dar um forte abraço. E disse:
"Chorei o tempo todo, obrigado".
Depois me agradeceu por eu não
ter feito um filme de catástrofe
com estilo hollywoodiano.
Folha - No filme, o senhor faz piadas com os americanos, com os ingleses e com o Papa. Por que eles?
Sluizer - Conflitos políticos. Por
causa de políticas de pessoas que
se dizem de paz, mas pensam na
guerra. Que dizem que acreditam
no amor, mas negam uma camisinha, como a Igreja. Essas situações irritam. Fiz um pouco diferente do livro, pois, se fiz com ironia, Saramago é mais agressivo.
Folha - O senhor é francês. No entanto, também faz piadas com a
França. Isso acontece por causa da
fronteira com a Espanha?
Sluizer - Exatamente. Eu nasci
na França e a piada veio porque
geograficamente eu não poderia
escapar. Coloquei o personagem
olhando para o oceano, onde deveria estar a França, e dizendo:
"Vejam, a França nunca existiu!".
Poderia ter feito um diálogo como
"Oh, a França deveria estar aqui".
Mas de quem, afinal, é a história,
se não dos vencedores? De quem é
a verdade?
Folha - De quem?
Sluizer - Veja só: fiz um filme
aqui nos anos 70, "A Faca e o Rio",
com Jofre Soares. Eu me apaixonei por um poema de Odylo Costa, quis conhecê-lo e vim filmar
no Maranhão, Piauí e Amazonas.
Voltei para a Europa e as pessoas
diziam: "Brasil? Isso existe? Onde
é?". Eu dizia que é onde tem samba. "Ah, sim, samba! Isso não é no
Japão?" Não estou brincando. O
fato é que Brasil ainda não era interessante para os europeus, não
estava nos filmes, não existia. Eu
nasci na França e sei que ela existe. Por isso pude fazer essa piada.
A JANGADA DE PEDRA - The Stone Raft. Holanda, 2000. Direção: George Sluizer. Com: Icíar Bollaín. Quando: hoje, às 19h, no Estação Barra Point 1; amanhã, às 17h, no Estação Ipanema 2; segunda, às 12h, no Estação Botafogo 1.
O jornalista Ivan Finotti viajou ao Rio a
convite do Festival do Rio BR
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