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ENSAIO
"Cadernos de Literatura Brasileira" faz nova leitura da obra da escritora
Publicação revela coração selvagem de Lispector
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Sim" foi a última palavra da última grande obra de Clarice Lispector. "A Hora da Estrela" termina assim. Sim é o que vão dizer os
muitos e ferrenhos admiradores
da obra de Clarice Lispector.
Na próxima semana, seu par de
olhos em forma de amêndoa aparecem com seu eterno ar de mistério na capa de uma das principais
publicações sobre ficção nacional,
o "Cadernos de Literatura Brasileira", do Instituto Moreira Salles.
Sim, mais um livro sobre Clarice, provável recordista nacional
(depois de Machado de Assis) no
quesito "escritor brasileiro tema
de teses", objeto de biografias e de
uma série de publicações, como
duas abordadas há 15 dias pela
Ilustrada (uma edição de luxo de
contos seus pela Confraria dos Bibliófilos do Brasil e "Aprendendo
a Viver", volume editado pela
Rocco a partir de seu "A Descoberta do Mundo").
Mas, sim, uma nova leitura de
sua obra vista em conjunto, e não
nas leituras compartimentadas
que a universidade costuma fazer
de sua obra.
Como nas edições anteriores do
"CLB", que chega com Lispector
(1920-1977) a sua 15ª edição, o roteiro da revista-livro faz um de cabo a rabo da escritora em oito partes (e um apêndice). A maior diferença com relação à maior parte
dos cadernos prévios é a substituição da longa entrevista que a
publicação costuma fazer pela seção "Clarice por Ela Mesma".
Um minucioso levantamento
de frases da fechada Clarice sobre
ela mesma (sejam tiradas de livros
como "A Descoberta do Mundo"
ou "Clarice Lispector - Esboço para um Possível Retrato", organizado pela amiga Olga Borelli, sejam de crônicas esparsas ou de
suas poucas entrevistas.
É um coração selvagem o da escritora com sua própria obra.
"Nunca me senti realizada como
escritora, e tenho a impressão de
que será assim até eu morrer", diz
às tantas. "[A minha obra é] Uma
tentativa fracassada de atingir o
que existe", afirma em outro momento. E assim vai.
Perto do coração selvagem são
muitos os testemunhos dos "sucessos de atingir o que existe". Em
mais de 160 páginas, sete ensaios
esquadrinham algumas facetas
mais importantes da escritora
-dos contos, analisados por Silviano Santiago, até a ficção infantil, à cargo de Vilma Arêas.
Nesse time de ensaístas, que inclui Yudith Rosenbaum, Benedito
Nunes (veterano estudioso da autora), Olga de Sá e Berta Waldman, destaca-se a presença do
português Carlos Mendes de Sousa, da Universidade do Minho,
que faz um robusto retrato de corpo inteiro da obra clariceana.
O ensaio de Waldman também
traz uma peça nova ao quebra-cabeça. "A relação da Clarice com o
judaísmo é muito pouco discutida. Talvez até porque ela não assumisse muito a condição judaica
nem no plano pessoal, nem no literário. Mas queremos chamar a
atenção da comunidade judaica
para isso", diz Antonio Fernando
De Franceschi, superintendente
executivo do Instituto Moreira
Salles e diretor editorial do "CLB".
Por esse motivo, o lançamento
paulistano do volume será na Casa da Cultura Judaica, com palestra de Waldman sobre o tema.
O lançamento no Rio, anterior,
terá outros recortes. Estarão expostas na sede carioca do IMS dezenas de fotografias da escritora
(muitas delas estampadas no "Cadernos"), primeiras edições e alguns originais.
Um deles, um manuscrito, é,
por sinal, uma das vedetes da
atual publicação. Entusiasta da
máquina de escrever (o filho, Paulo Gurgel Valente, diz que o barulho do teclado é uma das lembranças mais fortes da mãe), ela
tem publicado na revista-livro um
raro manuscrito literário.
São sete páginas de letras enigmáticas, fragmentos de "A Hora
da Estrela" (1977), que permitem
acompanhar flashes das idas e
vindas da imaginação da escritora. Ela tira um "a moça" e põe um
"a cartomante", troca um "grande desastre" por um "atropelamento", risca um "silêncio depois", inclui um "crepúsculo", mexe aqui e acolá. Tudo tudo para desaguar em um "sim".
CADERNOS DE LITERATURA
BRASILEIRA - CLARICE LISPECTOR.
Editora: Instituto Moreira Salles. Quanto:
R$ 80 (344 págs.). Lançamento: quinta-feira, às 19h, no Instituto Moreira Salles-Rio de Janeiro (r. Marquês de São
Vicente, 476, tel. 0/xx/21/3284-7200);
dia 13 de dezembro em São Paulo, no
Centro da Cultura Judaica (r. Oscar Freire,
2.500, tel. 0/xx/11/3065-4333).
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