São Paulo, sábado, 04 de dezembro de 2004

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ENSAIO

"Cadernos de Literatura Brasileira" faz nova leitura da obra da escritora

Publicação revela coração selvagem de Lispector

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Sim" foi a última palavra da última grande obra de Clarice Lispector. "A Hora da Estrela" termina assim. Sim é o que vão dizer os muitos e ferrenhos admiradores da obra de Clarice Lispector.
Na próxima semana, seu par de olhos em forma de amêndoa aparecem com seu eterno ar de mistério na capa de uma das principais publicações sobre ficção nacional, o "Cadernos de Literatura Brasileira", do Instituto Moreira Salles.
Sim, mais um livro sobre Clarice, provável recordista nacional (depois de Machado de Assis) no quesito "escritor brasileiro tema de teses", objeto de biografias e de uma série de publicações, como duas abordadas há 15 dias pela Ilustrada (uma edição de luxo de contos seus pela Confraria dos Bibliófilos do Brasil e "Aprendendo a Viver", volume editado pela Rocco a partir de seu "A Descoberta do Mundo").
Mas, sim, uma nova leitura de sua obra vista em conjunto, e não nas leituras compartimentadas que a universidade costuma fazer de sua obra.
Como nas edições anteriores do "CLB", que chega com Lispector (1920-1977) a sua 15ª edição, o roteiro da revista-livro faz um de cabo a rabo da escritora em oito partes (e um apêndice). A maior diferença com relação à maior parte dos cadernos prévios é a substituição da longa entrevista que a publicação costuma fazer pela seção "Clarice por Ela Mesma".
Um minucioso levantamento de frases da fechada Clarice sobre ela mesma (sejam tiradas de livros como "A Descoberta do Mundo" ou "Clarice Lispector - Esboço para um Possível Retrato", organizado pela amiga Olga Borelli, sejam de crônicas esparsas ou de suas poucas entrevistas.
É um coração selvagem o da escritora com sua própria obra. "Nunca me senti realizada como escritora, e tenho a impressão de que será assim até eu morrer", diz às tantas. "[A minha obra é] Uma tentativa fracassada de atingir o que existe", afirma em outro momento. E assim vai.
Perto do coração selvagem são muitos os testemunhos dos "sucessos de atingir o que existe". Em mais de 160 páginas, sete ensaios esquadrinham algumas facetas mais importantes da escritora -dos contos, analisados por Silviano Santiago, até a ficção infantil, à cargo de Vilma Arêas.
Nesse time de ensaístas, que inclui Yudith Rosenbaum, Benedito Nunes (veterano estudioso da autora), Olga de Sá e Berta Waldman, destaca-se a presença do português Carlos Mendes de Sousa, da Universidade do Minho, que faz um robusto retrato de corpo inteiro da obra clariceana.
O ensaio de Waldman também traz uma peça nova ao quebra-cabeça. "A relação da Clarice com o judaísmo é muito pouco discutida. Talvez até porque ela não assumisse muito a condição judaica nem no plano pessoal, nem no literário. Mas queremos chamar a atenção da comunidade judaica para isso", diz Antonio Fernando De Franceschi, superintendente executivo do Instituto Moreira Salles e diretor editorial do "CLB".
Por esse motivo, o lançamento paulistano do volume será na Casa da Cultura Judaica, com palestra de Waldman sobre o tema.
O lançamento no Rio, anterior, terá outros recortes. Estarão expostas na sede carioca do IMS dezenas de fotografias da escritora (muitas delas estampadas no "Cadernos"), primeiras edições e alguns originais.
Um deles, um manuscrito, é, por sinal, uma das vedetes da atual publicação. Entusiasta da máquina de escrever (o filho, Paulo Gurgel Valente, diz que o barulho do teclado é uma das lembranças mais fortes da mãe), ela tem publicado na revista-livro um raro manuscrito literário.
São sete páginas de letras enigmáticas, fragmentos de "A Hora da Estrela" (1977), que permitem acompanhar flashes das idas e vindas da imaginação da escritora. Ela tira um "a moça" e põe um "a cartomante", troca um "grande desastre" por um "atropelamento", risca um "silêncio depois", inclui um "crepúsculo", mexe aqui e acolá. Tudo tudo para desaguar em um "sim".


CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA - CLARICE LISPECTOR. Editora: Instituto Moreira Salles. Quanto: R$ 80 (344 págs.). Lançamento: quinta-feira, às 19h, no Instituto Moreira Salles-Rio de Janeiro (r. Marquês de São Vicente, 476, tel. 0/xx/21/3284-7200); dia 13 de dezembro em São Paulo, no Centro da Cultura Judaica (r. Oscar Freire, 2.500, tel. 0/xx/11/3065-4333).


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