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ESTRÉIA
Autor escreveu "Williwaw" quando era subtenente do Exército dos EUA
Com minimalismo, Gore Vidal ambienta romance em navio
BERNARDO AJZENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA
Gore Vidal ficou conhecido
nas últimas décadas por seus
romances históricos desafiadores
à memória dos Estados Unidos e
por sua verve cáustica na política,
na cultura e no comportamento.
Pouco dessa polêmica produção
se insinua, porém, no bem-comportado romance de estréia, "Williwaw", de 1946.
Como explica o autor no prefácio da edição que agora sai pela
primeira vez no Brasil (feito por
Vidal para uma reedição britânica
de 2003), williwaw é uma palavra
indígena usada originalmente para designar um vento muito poderoso típico das ilhas Aleutas e
da costa do Alasca, vindo das
montanhas para o mar e capaz de
afundar navios.
Nesse romance, o narrador conta uma viagem de três dias entre
Andrefski e a ilha de Arunga empreendida por uma embarcação
de suprimentos do Exército americano no final da Segunda Guerra. A trama tem dois fios: o relacionamento entre os tripulantes
(incluindo uma rivalidade que se
revelará fatal) e a luta pela vida
nos trágicos minutos em que o
barco é atingido por um williwaw.
Vidal, 79, escreveu o livro entre
os 19 e os 21 anos, quando ainda
servia o Exército. Subtenente, ele
fora aprovado num exame e atuava como piloto de navio entre o
Alasca e a Rússia.
O texto é aparentemente despretensioso, quase minimalista,
com parágrafos curtos e inúmeros diálogos. Lê-se numa tacada
só, gostosamente.
Além da leveza, Vidal ostenta,
aqui, uma habilidade rara: a paciência narrativa. A tensão se insinua devagarinho. Espelhando a
frieza dos marujos, o autor não
mostra pressa em chegar ao ápice
dos conflitos pessoais ou ao desastre natural.
Com o uso de expressões típicas
e vocabulário "técnico", sem ser
didático ou enfadonho, o livro
propicia uma noção das operações nos compartimentos de uma
embarcação, da rudeza da água e
do vento, dos temores dos passageiros (um major, um tenente e
um capelão) e da intimidade da
tripulação, comandada pelo subtenente Evans, com as coisas do
mar.
Gera, no entanto, uma sensação
de precariedade no traçado psicológico dos personagens, que se revelam (superficialmente), sobretudo, nos diálogos e em alguns esboços de fluxo de consciência. Soa
desproporcional o grau de enfrentamento a que chega o embate central, entre o chefe das máquinas Duval e o piloto Bervick,
na disputa por uma mulher.
Mas talvez fosse esse o limite para um autor recém-saído da adolescência, o mesmo que mais tarde publicaria outros 23 romances,
cinco peças teatrais, além de contos, ensaios e memórias. Cabe observar que a tradução, por vezes
muito literal, atravanca em certas
passagens a fluência do texto, defeito superado no conjunto pela
destreza textual do autor.
Bernardo Ajzenberg é autor dos romances "A Gaiola de Faraday" e "Variações Goldman", ambos pela editora Rocco, entre outros livros, e assessor-executivo do Instituto Moreira Salles
Williwaw
Autor: Gore Vidal
Tradução: Andréa Rocha
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 39,90 (250 págs.)
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