São Paulo, sábado, 04 de dezembro de 2004

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ESTRÉIA

Autor escreveu "Williwaw" quando era subtenente do Exército dos EUA

Com minimalismo, Gore Vidal ambienta romance em navio

BERNARDO AJZENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA

Gore Vidal ficou conhecido nas últimas décadas por seus romances históricos desafiadores à memória dos Estados Unidos e por sua verve cáustica na política, na cultura e no comportamento. Pouco dessa polêmica produção se insinua, porém, no bem-comportado romance de estréia, "Williwaw", de 1946.
Como explica o autor no prefácio da edição que agora sai pela primeira vez no Brasil (feito por Vidal para uma reedição britânica de 2003), williwaw é uma palavra indígena usada originalmente para designar um vento muito poderoso típico das ilhas Aleutas e da costa do Alasca, vindo das montanhas para o mar e capaz de afundar navios.
Nesse romance, o narrador conta uma viagem de três dias entre Andrefski e a ilha de Arunga empreendida por uma embarcação de suprimentos do Exército americano no final da Segunda Guerra. A trama tem dois fios: o relacionamento entre os tripulantes (incluindo uma rivalidade que se revelará fatal) e a luta pela vida nos trágicos minutos em que o barco é atingido por um williwaw.
Vidal, 79, escreveu o livro entre os 19 e os 21 anos, quando ainda servia o Exército. Subtenente, ele fora aprovado num exame e atuava como piloto de navio entre o Alasca e a Rússia.
O texto é aparentemente despretensioso, quase minimalista, com parágrafos curtos e inúmeros diálogos. Lê-se numa tacada só, gostosamente.
Além da leveza, Vidal ostenta, aqui, uma habilidade rara: a paciência narrativa. A tensão se insinua devagarinho. Espelhando a frieza dos marujos, o autor não mostra pressa em chegar ao ápice dos conflitos pessoais ou ao desastre natural.
Com o uso de expressões típicas e vocabulário "técnico", sem ser didático ou enfadonho, o livro propicia uma noção das operações nos compartimentos de uma embarcação, da rudeza da água e do vento, dos temores dos passageiros (um major, um tenente e um capelão) e da intimidade da tripulação, comandada pelo subtenente Evans, com as coisas do mar.
Gera, no entanto, uma sensação de precariedade no traçado psicológico dos personagens, que se revelam (superficialmente), sobretudo, nos diálogos e em alguns esboços de fluxo de consciência. Soa desproporcional o grau de enfrentamento a que chega o embate central, entre o chefe das máquinas Duval e o piloto Bervick, na disputa por uma mulher.
Mas talvez fosse esse o limite para um autor recém-saído da adolescência, o mesmo que mais tarde publicaria outros 23 romances, cinco peças teatrais, além de contos, ensaios e memórias. Cabe observar que a tradução, por vezes muito literal, atravanca em certas passagens a fluência do texto, defeito superado no conjunto pela destreza textual do autor.


Bernardo Ajzenberg é autor dos romances "A Gaiola de Faraday" e "Variações Goldman", ambos pela editora Rocco, entre outros livros, e assessor-executivo do Instituto Moreira Salles

Williwaw
   
Autor: Gore Vidal
Tradução: Andréa Rocha
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 39,90 (250 págs.)


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