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MEMÓRIA
À espera do reconhecimento na "ingrata posteridade"
JORGE COLI
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Qual a boa metáfora para
descrevê-la: uma pluma?
Uma flor delicada que, por milagre, anda? Um cristal frágil? Sua
voz faz-se carícia tímida. Para onde foi a Hilda Hilst desbocada, de
tom enérgico, manejando palavrões que abalaram bem-educados e bem pensantes? Aos 70
anos, a mais bela e a mais terrível
das bruxas "vamp" se transformou
numa fada. Ela irradia felicidade
enternecida. Está grata pela homenagem, o que pode ser bonito e
comovente. Na verdade, não é
justo. Porque foi ela quem carreou, para a língua e para a cultura
brasileiras, um universo de belezas inquietantes, novo, único, indo buscar nas carnes, nas vísceras,
interrogações metafísicas em modos antes ignorados. A dívida não
é dela, é nossa para com ela."
Isto eu redigia no momento da
exposição que o Sesc Pompéia
consagrou a Hilda Hilst, em 2000.
Hilda Hilst já estava frágil, naqueles tempos. Não escrevia mais.
Havia cessado as palavras que
correram aos borbotões de suas
mãos, a força lírica opulenta e
cheia de contradições, despejando uma vida latejante, politicamente incorreta, perturbadora,
visceral, sensual, sobre o papel.
"Fina faca"
Hilda Hilst percebia o mundo
sem os moralismos tristes de nosso tempo. A sexualidade que a
inspirava nunca se tornava pornografia, mesmo se ela às vezes,
por razões esdrúxulas, quisesse
fazer-se pornográfica. É que tudo
vinha transformado por uma pulsão interrogativa, orgânica e metafísica. A morte, a "fina faca", como diz num de seus versos, era
parte dessas frases que surgiam
em fluxos.
Neste momento, momento de
sua morte, Hilda Hilst, escritora
imensa, ainda não foi plenamente
avaliada em sua estatura de gigante. Talvez, mesmo, nossos tempos
não sejam exatamente os melhores para compreendê-la de fato.
Há a posteridade, está claro, essa
posteridade que Hilda Hilst via
como ingrata, já que o devido reconhecimento que reclamava não
chegou, em vida, como ela queria.
Esperemos que venha, mais do
que agora, em escala ampla. O lema fatídico da escritora: "É mais
tarde do que supões", no entanto,
turva tudo de pessimismo.
Seus contatos com o além, suas
leituras de pitonisa em diálogo
com os mortos, eram partes dos
seus mistérios. Para onde foi Hilda Hilst? Impossível dizer. Mas
sabemos onde está: nas páginas
numerosas do que escreveu, e que
continuam a vibrar, tirando-nos
de nossas estreitezas, desencadeando as mais belas, mais fecundas e mais terríveis interrogações.
Jorge Coli é historiador da arte
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