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São Paulo, quarta-feira, 05 de março de 2003

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MÚSICA

Minimalismo para as massas


Com a trilha de "As Horas", o compositor americano Philip Glass tenta se aproximar do grande público


BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

Quando o diretor de "As Horas" (The Hours), Stephen Daldry, procurava a sonoridade ideal para musicar sua adaptação do romance homônimo de Michael Cunningham, poucas soluções lhe vinham à cabeça.
Era necessário algo que seguisse a estrutura do filme, ou seja, uma música composta de formas circulares, repleta de idas e voltas, até repetitiva, que acompanhasse os percalços de três mulheres em três épocas distintas, interligadas pelo romance "Mrs. Dalloway", de Virginia Woolf.
Após algumas experiências fracassadas, o nome mais óbvio para tal empreitada finalmente foi lembrado. Daldry resolveu, então, usar trechos de obras do compositor norte-americano Philip Glass, 66, como música temporária durante a montagem do filme, antes de convidá-lo para compor a trilha sonora.

Minimalismo
Atualmente, Glass é um senhor respeitável, que trafega pelas áreas mais eruditas da música, incluindo aí óperas e sinfonias. Muito mais do que um nome, "Glass" refere-se a um estilo com vida própria, moldado desde o final dos anos 60.
Compositor mais visível que introduziu os conceitos do minimalismo na música, Glass vem desenvolvendo desde então uma estrutura sonora pontuada por repetições rítmicas circulares, quase hipnóticas (e paranóicas). Claro que os mais variados tipos de críticas e piadas não pararam de surgir, mesmo passados tantos anos. "Glass", o estilo, é também, para os detratores, sinônimo de música pretensiosamente chata, redundante e vazia. Ficou célebre a recepção da crítica no período, que descreveu sua música como "tortura sônica". A trilogia iniciada em 1983 com "Koyaanisqatsi", junto do diretor Godfrey Reggio, é o ápice dessa estrutura.
"Esse tipo de crítica sempre aparece", disse Glass em entrevista à Folha. "Poderia ser Stravinsky, Brahms ou Beethoven: quando alguém cria algo inovador na música, as pessoas acham loucura. Quando você os ouve hoje, qual é o problema? Não reparamos o que havia de tão assustador para a época. Fiquei surpreso quando tinha 28, 29 anos e muita gente ficou nervosa e irritada com o tipo de música que eu fazia."

Popularização
O apedrejamento por uma parte da crítica e do público, no entanto, não calaram a música de Glass. Com o passar dos anos, fica evidente que estilos hoje populares (e igualmente controversos) como música ambiente e new age devem muito ao compositor.
O artista afirma que nunca teve a intenção de tocar para apenas meia dúzia de intelectuais. "Sempre quis me tornar popular. De uma certa maneira, acho que tenho conseguido. Comecei compondo sinfonias para um público pequeno, depois pulei para performances musicais e cinema. Acho que é um bom equilíbrio, consigo escrever músicas mais populares ao mesmo tempo em que trabalho em sinfonias, quarteto de cordas etc."
Com "As Horas", Glass chega ainda mais perto da pretendida popularização. Trata-se de sua segunda indicação ao Oscar na categoria melhor trilha sonora -a primeira foi por "Kundum" (98).
"Estou realmente feliz porque achava que da primeira vez tinha sido um engano da Academia", brinca o compositor. "No mundo da música mais clássica, essa indicação não significa muita coisa, mas para o filme é importantíssimo. Óperas e sinfonias atraem apenas seu público específico; com uma trilha sonora, você ganha também o público do filme. Compositores não são como os astros do cinema, não é uma ocupação muito glamourosa. O Oscar ajuda a mudar essa situação, ele faz as pessoas tornarem-se mais conscientes sobre o trabalho de um compositor."

AS HORAS. Trilha sonora do filme. Artista: Philip Glass. Lançamento: Warner. Quanto: a definir.


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