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"PI"
Aronofsky não reduz os mistérios da vida a fórmula nenhuma
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Espécie de Raskólnikov das
matemáticas, o protagonista
de "Pi", um misantropo epilético-delirante de linhagem dostoievskiana, leva até o fim os seus preceitos: 1) A matemática é a língua
da natureza; 2) Tudo ao nosso redor pode ser representado e compreendido através dos números;
3) Há, portanto, um padrão para
tudo (até para a Bolsa de Valores).
Trancado a sete chaves em seu
apartamento barato, às voltas
com Euclides, seu computador,
nosso Raskólnikov, um judeu nova-iorquino chamado Max Cohen (Sean Gullette), embrenha-se
em sua teoria numérica tal como
o personagem dostoievskiano em
sua teoria ética, só perdendo um
pouco do frescor de suas neuroses
ao perambular pelas ruas, no contato com os homens.
O autor Darren Aronofsky
("Réquiem para um Sonho"), em
seu filme de estréia, cita mestres
gregos e renascentistas para legitimar seu personagem, mas se esquece de Blaise Pascal, o gênio
precoce da matemática, que, vítima de alucinações, tal como Cohen, tornou-se um místico, renunciando ao convívio humano.
Seguindo um périplo semelhante, do cientificismo ao misticismo,
em sua jornada espiritual, Cohen
acaba, como Pascal em suas alucinações, diante de um abismo.
O próximo passo é a loucura ou
a morte, avisa-lhe Sol (Mark Margolis), o mestre que o precedia até
ser vítima de um derrame. Para o
discípulo, que pretende descobrir
o segredo do universo em um número, Sol empresta "Hamlet", talvez na esperança de que Cohen
aprenda com Shakespeare que,
entre o céu e a terra, há muito
mais mistérios do que sonha a
nossa vã matemática.
Lançado tardiamente no Brasil
na esteira do sucesso de "Uma
Mente Brilhante", filme mainstream que recicla tema semelhante em escala industrial, "Pi" é uma
autoconsciente "estréia de impacto" de Aronofsky. Cercando-se de
referências e encontrando, no holismo de seu argumento, espaço
para forjar o que se poderia classificar de um "thriller cerebral e excêntrico", capaz de reunir poderosos acionistas da bolsa e judeus
cabalistas em torno do protagonista, Aronofsky lança, pragmático, o seu nome no mercado.
Mas, se "Pi" (uma produção independente, filmada em 16 mm
preto-e-branco) transcende as categorias do gênero, é porque o cineasta não pretende reduzir os
mistérios da vida a fórmula nenhuma. Apesar da suspeita insistência com que repete os preceitos que sustentam o seu personagem, ele não faz destes um "MacGuffin" (o termo usado por
Hitchcock para designar os pretextos temáticos vazios de alguns
de seus thrillers).
O cineasta não é indiferente à
obsessão de seu personagem, e esta não serve de mero pretexto para o desenrolar da ação.
A prova está na incapacidade
que Aronofsky demonstra em
adequar a sua investigação temática ao esquema do thriller. O que
os críticos americanos tenderiam
a ver como defeito seria preciso
ver como uma virtude. Virtude
que, no caso da indústria americana, cujo procedimento agora é
cooptar e adestrar os talentos
emergentes do cinema independente, é, infelizmente, uma qualidade de iniciante.
Pi
Pi
Direção: Darren Aronofsky
Produção: EUA, 1998
Com: Sean Gullette, Mark Margolis, Ben
Shenkman
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco
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