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LIVROS/LANÇAMENTOS
"MEMÓRIAS DE UM GIGOLÔ" e "ÓPERA DE SABÃO"
O retorno do cronista picaresco de São Paulo
MARÇAL AQUINO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Difícil pensar num escritor
mais paulistano. E mais versátil. Tanto nos romances e contos de sua ficção adulta quanto
nas narrativas juvenis, e também
nos roteiros, crônicas e peças de
teatro que escreveu, Marcos Rey
(1925-1999) sempre privilegiou a
cidade de São Paulo como cenário
e um recorte muito particular de
sua fauna humana como personagens.
Marcos Rey era um profissional
da escrita, viveu de escrever até o
fim. Sua versatilidade, porém,
acabou custando caro. Foi sua
glória e miséria. Ao morrer, ele
ainda carregava a desconfiança de
que parte da crítica não olhava
sua obra adulta com boa vontade,
como se as outras ocupações de
sua escrita desabonassem, de alguma maneira, o grande escritor
que inegavelmente ele era. Achava isso um caso de rigidez crítica,
que não foi atenuada nem pelos
prêmios (ganhou o Prêmio Juca
Pato de Intelectual do Ano em
1995 e duas vezes o Prêmio Jabuti,
entre outros), nem pelo sucesso
de público (um de seus títulos juvenis, "O Mistério do Cinco Estrelas", já vendeu mais de 2,5 milhões de exemplares) ou pelas traduções no exterior.
Agora, surge uma boa oportunidade de reavaliação: parte de
sua obra começa a ser republicada
pela Companhia das Letras. E os
dois primeiros volumes relançados, os romances "Memórias de
um Gigolô" e "Ópera de Sabão",
são uma excelente amostragem
da prosa adulta de Marcos Rey.
Nascido no Brás, ele soube, como poucos, captar uma certa dicção paulistana e temperar com
um humor de linhagem picaresca
o retrato que fez de épocas e personagens da cidade. Os dois livros
evidenciam também a maior ambição deste escritor: contar histórias, de preferência boas histórias.
Publicado originalmente em
1968, "Memórias de um Gigolô"
serviu de matriz para um filme e
para uma minissérie da Globo,
ambos de grande sucesso. Narra a
história de Mariano, rapaz criado
num bordel, que se apaixona pela
prostituta Guadalupe. A partir
daí, os dois passam por uma trepidante sucessão de peripécias,
sempre com o objetivo de se dar
bem na vida, enquanto escapam
do onipresente Esmeraldo, o antigo cafetão da moça.
É uma São Paulo em transformação o pano de fundo do romance, captada com uma ironia
afetuosa pelo olhar de Marcos
Rey. Ele sabia do que falava: auto-intitulado "boêmio profissional",
o escritor se valeu de suas andanças pelo território da noite paulistana para observar e registrar modos e falas, que acabaram incorporados à sua ficção.
"Ópera de Sabão", lançado em
1979, se apóia em outra faceta da
experiência de vida do autor.
Marcos Rey se utiliza de sua passagem pelo rádio para recriar as
implicações do suicídio de Getúlio Vargas na vida de uma família
paulistana. De novo, ele coloca
em cena o humor picaresco e personagens que se entregam, sem
pudor, ao jogo da mobilidade social. Tanto neste livro quanto em
"Memórias de um Gigolô", o final
feliz é comprometido por um travo amargo, dando razão ao escritor João Antônio, que chamou de
"realismo crítico" a literatura praticada por Marcos Rey.
Além da reedição de sua obra
adulta, há outra boa notícia para
os fãs de Marcos Rey: o jornalista
Carlos Maranhão está preparando sua biografia, que, com certeza, trará à tona histórias tão saborosas quanto as que o autor registrou em seus livros. Uma delas:
Marcos costumava dizer que tinha escrito de tudo na vida, menos letra de samba e poesia. E logo
depois se corrigia, lembrando que
chegara a cometer versos, ainda
que de brincadeira. E resgatava
uma tarde ociosa em que ele e o
dramaturgo Braulio Pedroso,
também já morto, "inventaram"
um poeta latino-americano e escreveram em parceria um engajado livro de poemas.
A molecagem não terminou aí
-e a dupla inscreveu o volume
num concurso de poesias. Eram
tempos sombrios e, claro, os versos panfletários caíram no gosto
do júri, que apontou a obra como
vencedora do concurso. Com isso, criou um inusitado problema
para os "ghost-writers" na hora
de receber o dinheiro do prêmio.
Marcos Rey, em síntese, foi isso:
um grande contador de histórias.
Nos livros e fora deles.
Marçal Aquino é escritor e roteirista de
cinema.
Memórias de um Gigolô
Ópera de Sabão
Autor: Marcos Rey
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36 (cada volume)
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