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POR QUE ESCREVO
O impulso da comunicação solitária
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
Eram umas seis e meia da tarde, eu estava saindo de uma estação de metrô. Um homem de
seus 50 anos subia a escada.
Olhou para o céu e não conteve a
surpresa: "Nossa! Já escureceu."
Disse isso para mim e sorriu depois, envergonhado talvez pela
simplicidade da constatação.
Devia ter entrado no metrô uma
hora antes, e sem que ele se desse
conta o tempo passara, já era
noite.
Por que aquele homem disse
"já escureceu"? Por que nos
contam que houve um assalto no
supermercado do bairro? Por
que alguém se queixa de dor de
cabeça? Ou diz que dormiu mal a
noite passada?
O fato é que as pessoas costumam falar umas com as outras,
mesmo quando não necessitam
de informação, de ajuda, de conselho ou de aspirina.
Escrever, para mim, origina-se
desse mesmo impulso. Com
duas diferenças, ambas determinadas, aliás, pelo meio que se
emprega. Em primeiro lugar, a
comunicação escrita dura mais
do que uma fala casual. Em segundo lugar, o interlocutor está
ausente.
De modo que, se em certas circunstâncias prefiro escrever a falar, é porque imagino que:
Um, minha mensagem interessa a um maior número de pessoas do que o de meu círculo
imediato de relações; e dois, o
que estou dizendo não é para ser
esquecido logo depois de ter sido
pronunciado.
É claro que o processo se auto-alimenta. O interesse em escrever frases bem-acabadas, bonitas, verdadeiras -que tenham
algo de "importante" ou de
"memorável"- ganha impulso
próprio, mesmo que não se tenha nada de importante ou de
memorável na cabeça antes de
pegar o lápis e o papel.
Desse ponto de vista, escrever
ajuda a pensar. A nebulosa de
impressões eventuais, memórias
tolas e pensamentos inacabados
que ocupa nosso cérebro pode
então condensar-se, ganhar peso, forma e matéria.
Não há nada de misterioso ou
de predestinado no prazer que
isso traz. É o mesmo prazer que
existe em construir uma mesa ou
fazer um castelo de areia na
praia.
Qualquer pessoa alfabetizada,
aliás, já "escreveu", nesse sentido intransitivo do verbo escrever. Mesmo a cantada mais hábil
e a amante mais receptiva não
dispensam uma carta de amor.
O problema é saber por que algumas pessoas se profissionalizam nessa atividade.
Ou são especialmente dotadas
para o auto-engano, ou então o
que escreveram funcionou: seus
primeiros leitores reconheceram
algo de importante ou de memorável -alguma ambição nesse
sentido-que os leva a continuar.
Esse processo geralmente é
também motivado por experiências menos exitosas no campo
das relações pessoais imediatas.
Para usar de palavras mais carregadas, escrever (e ler) é o impulso de se comunicar na solidão. O
que envolve comunicar-se mais,
consigo mesmo e com todo
mundo.
Falo de mim mesmo, neste artigo; mas espero estar falando do
maior número de pessoas também.
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