São Paulo, terça, 5 de maio de 1998

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DISCOS - LANÇAMENTOS
Forró: Do sertão à capital


Mercado aproveita boom do gênero, com títulos que vão do "rei" do baião a bandas dos 90 que têm caído no gosto da classe média urbanas, forjando o "forró de maurício'


LUIZ GONZAGA
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

A "Coleção Luiz Gonzaga", de dez álbuns originais do artista pernambucano relançados em CD, dá continuidade ao projeto de recuperação da memória musical brasileira que nossas gravadoras vão, devagarinho, operando.
Aqui se trata de Luiz Gonzaga (1912-1989), proclamado rei do baião, autoproclamado inventor do mesmo gênero. Compreende LPs lançados nos anos 50 ("Xamego"), 60 (a maioria) e 80 ("Eterno Cantador" e "O Rei Volta pra Casa"), além de uma coletânea editada em 70.
O projeto de investigação, como quase sempre, é parcial. A gravadora BMG não se dá ao trabalho de verificar datas originais de lançamento, muito menos oferecer quaisquer informações técnicas. Também as capas originais são maltratadas por horrendas molduras cor-de-burro-quando-foge. Não há sombra das letras.
Quanto ao material artístico em si, só há que soltar rojão. Qualquer título aleatório que se tomasse da discografia de Luiz Gonzaga não seria muito menos que notável.
É o caso. Falta toda a década de 70 (de curiosidades como "O Canto Jovem de Luiz Gonzaga", de 71, em que cantou temas de Tom Jobim, Gil, Caetano e Geraldo Vandré, ou "Luiz Gonzaga e Carmélia Alves", de 77, em parceria com "a rainha do baião"), mas o que há é "da moléstia".
Começa por "Xamego" (58). Então privado de seus mais importantes parceiros, Humberto Teixeira e Zé Dantas, ele já regravava seus próprios sucessos, como a faixa-título, lançada por Carmem Costa em 43, "Dança, Mariquinha" (sua primeira gravação), "Galo Garnizé" (antes levada por Ademilde Fonseca) ou a obra-prima "17 e 700", lançada primeiro por Manezinho Araújo, em 45.
"Luiz "Lua' Gonzaga" (61) flagra um Luiz que resolvera "variar", tocando vira português ("Corridinho Canindé"), valsinhas e até hino de louvor a Jânio Quadros ("Alvorada da Paz").
"Pisa no Pilão (A Festa do Milho)" (63) intercala forrós com temas épicos ("A Morte do Vaqueiro") e composições de Rosil Cavalcanti, João do Vale, Raimundo Grangeiro ("Liforme Instravagante", tente imaginar).
"A Triste Partida", de Luiz, encontra o golpe militar de 64. Loas patrioteiras ("quero servir ao exército brasileiro", "sou um homem brasileiro pra valer") são relativizadas pela melancolia da faixa-título, de Patativa do Assaré.
A montagem "Luiz Gonzaga - Sua Sanfona e Sua Simpatia" (66) volta a abusar de temas antigos -"Xanduzinha" (50), "A Feira de Caruaru" (57), "Forró no Escuro" (57). O instrumental estridente de "Óia Eu Aqui de Novo" (67) puxa a brasa para xote ("Xote dos Cabeludos", reprimenda moralista aos hippies), xaxado (na faixa-título) e o avanço industrial ("Garota Todeschini").
À beira do AI-5, vira "O Sanfoneiro do Povo de Deus" (68), defensor da religiosidade ("Baião da Penha"), de santos ("Padroeira do Brasil") e do papa ("Louvação a João 23"). Mas mantém a ambiguidade -"o jumento é nosso irmão", chora à sanfona, falando sabe-se lá de quem.
"O Nordeste na Voz de Luiz Gonzaga" (70) é o "greatest hits" do sertão, o único da coleção a conter pilares inquestionáveis do pai do forró -"Asa Branca", "Paraíba", "Assum Preto", "Respeita Januário", "Acauã".
O "Eterno Cantador" (82) sofre com corais católicos e duetos caricatos com o filho Gonzaguinha ("Prece por Exu Novo") e Elba Ramalho ("Farinhada"). Mas é, ainda, interessante contraste com a crueza dos mais antigos.
"O Rei Volta pra Casa" (82), por fim, contempla o dom épico do sanfoneiro, com pastiches feitos de orquestrações pomposas (e a participação precisa do Quinteto Violado na faixa-título).
Bem, seja o melhor ou o pior de Luiz Gonzaga, aí estão a raiz e a origem de muito da cultura popular nordestina deste século. A BMG ainda tem muito por fazer para fazer justiça a sua obra.

Coleção: Luiz Gonzaga (dez CDs) Lançamento: BMG Quanto: R$ 18, em média, cada CD


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