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São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2003

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GASTRONOMIA

Como irritar seu chef

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O chef Kelvin Fabian, do Vitreo, que fica 'assombrado' quando clientes pedem peixe com roquefort



Pedidos de clientes que modificam criações e hábitos gastronômicos tiram humor de estrelas da cozinha


IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Como irritar o chef de seu restaurante preferido? Comece consultando detidamente o cardápio. Escolha, por exemplo, o filé mignon ao molho béarnaise com batata soufflé. Mas peça, em vez do béarnaise, o molho de caju que costuma vir no frango. E que seria muita gentileza se pudesse também trocar as soufflé pela torta de batatas e pimenta rosa do magret de pato.
Para finalizar, o sorvete de creme está ótimo, mas será que é preciso mesmo escolher entre as caldas de chocolate e de framboesa? Não dá para vir um pouquinho de cada, só para experimentar? Pronto. Se esticar os ouvidos, é capaz de ouvir algo na cozinha: é o chef estrelado jogando suas caçarolas importadas para o alto.
Pode parecer chatice dos profissionais da cozinha, mas "meter o bedelho" no próprio prato é algo que eles não aceitam muito bem. "O sentimento nem sempre é bom. Minha primeira reação é ficar contrário às mudanças", diz Emmanuel Bassoleil, 41, do Skye. "É uma dificuldade", atesta Laurent Suaudeau, 45, considerado por alguns especialistas o maior chef do país.
"Já fui bem mais intransigente, mas ainda não sou uma flor de pessoa, tem coisa que eu não faço. Não troco molho de peixe e coloco na carne ou vice-versa. Porque aí você tem um problema de persistência de sabor", afirma Alex Atala, 35, do Dom. "Só não jogo as panelas para cima porque minha cozinha é de vidro. Tenho medo de quebrar", diz.
O chef Kelvin Fabian, do Vitreo, explica a razão de tanta revolta: "Fazemos um cardápio com acompanhamento adequado, passamos duas semanas quebrando a cabeça dia e noite para montar um prato. Aí pedem peixe acompanhado de batata com queijo roquefort... Isso é para carne vermelha. Fico assombrado".
Às vezes, Fabian fica tão assombrado com a falta de paladar alheia que realmente joga tudo para o alto. "Quando fico bravo, meus assistentes fingem que não é nada. Só torcem para não cair nenhuma panela na cabeça", diz o chef de 32 anos, que já comandou cozinhas na Itália, na Holanda, na Argentina, no México e nos EUA. "Por isso, xingo em quatro idiomas. Nem eu mesmo entendo o que estou falando", se diverte.
O que o cliente se pergunta, afinal, é se não tem sempre razão. Afinal, ele tem o dinheiro. Os chefs respondem com outros argumentos. "Para cada detalhe, há uma razão. Um tomate, uma vagem, um curry, uma base de vinho, nada é por acaso. Se não, seria um buffet, para as pessoas montarem o próprio prato. Oferecemos um prato finalizado", diz Bassoleil. "Por 15 anos, não aceitei mudanças. Atualmente, se me pedem batatas fritas, eu mando. Ele está pagando. Mas mando em prato separado."
Já Laurent Suaudeau se sente privilegiado, até pela fama de seu restaurante, o Laurent. "Para mim, é raro acontecer. Modéstia à parte, há respeito ao trabalho apresentado", afirma o fleumático chef. "Mas, na sexta passada, tivemos um cliente que queria filé com arroz branco. Não servimos arroz branco no restaurante, mas tinha sobrado do jantar dos funcionários. Arroz que é muito bem feito, por sinal. Pois o cliente adorou. É capaz que ele volte para pedir o mesmo prato. Será que volta?", pergunta-se Suaudeau.
No final das contas, de um modo ou de outro, o cliente sai satisfeito. É como diz o chef Fabian: "Quando o cliente prefere mudar, costumo ir à mesa conversar com ele. Sugiro um meio-termo, que fique bom para ele e que não altere o paladar. No final das refeições, é o cliente quem costuma ir à cozinha me dar os parabéns".


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