São Paulo, sexta, 5 de junho de 1998

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Maestro defende para a Osesp estatuto de 'organização social'

JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local

A Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) precisa de R$ 10 milhões anuais para sobreviver com um bom padrão técnico. E apenas terá mobilidade de gestão e estabilidade de orçamento caso deixe de ser um mero apêndice da Secretaria de Estado da Cultura.
É o que diz, em entrevista à Folha, o diretor artístico da orquestra, maestro John Neschling, ao defender sua transformação em "organização social", um novo tipo de entidade de direito privado que pode ser integralmente financiada com recursos oficiais.


Folha - O ex-secretário da Cultura, Marcos Mendonça, disse ser "uma questão de sobrevivência" para a Osesp sua transformação em organização social.
John Neschling -
O que está em jogo não é eximir o Estado de toda a responsabilidade em questões de cultura. Como organização social, a orquestra pode funcionar com suas características, sem ser uma peça da burocracia do Estado.
Folha - E como fundação?
Neschling -
Não haveria diferença, desde que o Estado se comprometa a manter a orquestra. A organização social não é uma "maracutaia" para que o Estado não tenha mais responsabilidade alguma, repito. Não se trata de passar a orquestra para a iniciativa privada, o que seria um desastre.
Folha - A organização social pode buscar patrocínio...
Neschling -
Pode, assim como uma fundação. Mas vamos esclarecer de imediato o assunto. O patrocínio só existe se o patrocinador receber condições extremamente favoráveis em termos de imposto. Isso no Brasil não existe. Não é o que está nas leis Mendonça ou Rouanet. Abate-se do Imposto de Renda um limite muito reduzido.
Folha - Mas com seu novo estatuto, o apoio da iniciativa privada à Osesp poderá aumentar?
Neschling -
A rigor, não. Apenas se, com a organização social, vier uma nova legislação que aumente o abatimento do Imposto de Renda em doações. A organização social não vai aumentar a parte da iniciativa privada. Mas ela já é importante porque permitirá à orquestra funcionar melhor em termos burocráticos.
Folha - Explique melhor.
Neschling -
Uma orquestra tem certas características incompatíveis com o Estado. Exemplo: contratação com muita antecedência, contratos em moeda estrangeira, compra de material (partituras, por exemplo) por critérios de seriedade do editor e não porque o editor ganhou a licitação, mobilidade financeira, permitindo que o dinheiro com a venda de ingressos fique com a orquestra, receber o lucro do aluguel da sala Júlio Prestes. É muita coisa!
Folha - Fala-se muito em "modelo americano", com dinheiro da iniciativa privada.
Neschling -
É uma mentira. A iniciativa privada nunca deu e nunca dará dinheiro dela própria. Ela dá o dinheiro que deixa de pagar ao Estado sob a forma de imposto. É dinheiro do Estado.
Folha - E como fica ao se contratar músicos?
Neschling -
É um bom exemplo. Os contratos hoje só valem até o final do governo, caso não se queira dar ao músico a estabilidade do funcionário público, o que é a morte de uma orquestra.
Folha - Não há também uma questão política: a sobrevivência da orquestra independentemente do partido político ou do gosto pessoal do governador?
Neschling -
A continuidade de uma orquestra é garantida, caso ela se torne uma organização social, porque ela assina com o Estado um contrato de gestão. No contrato há a obrigação de o Estado sustentar a orquestra a longo prazo, independentemente de mudança de governo.
Folha - A Osesp está este ano com um orçamento de R$ 5,5 milhões. Isso lhe seria garantido pelo contrato de gestão?
Neschling -
Deve ser muito mais que isso. Uma orquestra como a minha não custaria menos que R$ 10 milhões por ano.
Folha - O que está faltando para que a Osesp fique completa?
Neschling -
Meu problema não é preencher vagas, mas preenchê-las com gente de primeiro nível. Se levarmos cinco, sete anos para chegar ao ponto que eu quero, não faz mal. Estamos com 93 ou 95 músicos. Mas há ainda músicos não-efetivos, convidados. Temos uns 80 músicos nossos.
Folha - Quanto ao repertório, nos concertos deste mês de junho, não há autores brasileiros programados. Houve algum recuo?
Neschling -
A programação não tem uma quota de compositores brasileiros por concerto. Mas ao longo da temporada nenhuma outra orquestra brasileira terá executado tantos quanto nós. Não é estatística, é política cultural.



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