São Paulo, sexta-feira, 05 de julho de 2002

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MEMÓRIA

Ray Brown deixa padrão de elegância no jazz

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O jazz perdeu um de seus mais conceituados estilistas. Morto na última terça-feira, aos 75 anos, horas antes de um show em um clube de jazz de Indianápolis (nordeste dos Estados Unidos), o contrabaixista e compositor norte-americano Ray Brown era um dos últimos remanescentes da geração do bebop -escola que introduziu o jazz na modernidade, em meados dos anos 40.
Durante cinco décadas, ele desenvolveu e exibiu um estilo que se tornou modelo seguido por várias gerações de contrabaixistas acústicos.
Além do som volumoso e confortável que costumava extrair das cordas de seu instrumento, Brown distinguia-se pelas elegantes linhas rítmicas que marcavam seus acompanhamentos. Em suma, forjou um estilo que unia o útil ao agradável: técnica perfeita com muito suingue.
Seu padrão de excelência levou-o a se tornar um dos músicos mais requisitados de todos os tempos nos estúdios norte-americanos. Participou de mais de 2.000 sessões de gravação, ao lado de praticamente todos os principais músicos do jazz moderno: do pianista Duke Ellington ao saxofonista Sonny Rollins; do vibrafonista Milt Jackson ao baterista Elvin Jones.
O surgimento de Ray Brown na cena do jazz virou uma anedota constantemente repetida no meio. Ao trocar a cidade natal de Pittsburgh por Nova York, em 1945, o contrabaixista de 19 anos teve a sorte de conhecer logo no primeiro dia três revolucionários pioneiros do bebop: o trompetista Dizzy Gillespie, o saxofonista Charlie Parker e o pianista Bud Powell.
No dia seguinte, já tinha sido contratado pelo trompetista para fazer parte de sua big band e de seus grupos menores.

Sucesso rápido
Três décadas mais tarde, o exigente Gillespie confirmou em sua autobiografia (intitulada "To Be or Not to Bop") que seu faro para descobrir grandes talentos não falhara: "Ray Brown, no baixo, tocava as mais fortes, mais fluidas e imaginativas linhas de baixo no jazz moderno daquela época, com exceção de Oscar Pettiford". Vale lembrar que o contrabaixista Pettiford morreu prematuramente, em 1960.
O sucesso de Brown foi bastante rápido. Depois de participar de gravações essenciais para a explosão do bebop, em 1948 já era diretor musical da cantora Ella Fitzgerald (com a qual esteve casado por quatro anos).
Chegou a participar do grupo que gerou o lendário Modern Jazz Quartet, ao lado do vibrafonista Milt Jackson. E entre 1951 e 1966 desenvolveu uma cultuada colaboração no trio do pianista canadense Oscar Peterson.
Diferentemente de outros grandes baixistas, gravou dezenas de álbuns como líder. Entre seus discos mais recentes, está a série "Some of My Best Friends Are" (pela gravadora Telarc), na qual tocou com vários vocalistas e instrumentistas do primeiro time do jazz. Dois anos atrás fez duas elogiadas apresentações no Brasil, no Free Jazz, em shows no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Àqueles que se surpreendiam com a sua permanência nos palcos depois dos 70 anos, costumava responder de modo bem-humorado: "Tenho muito tempo livre. Toco duas ou três horas por noite, me divirto e ainda sou pago por isso".
Aparentemente, Ray Brown morreu como sempre quis: na estrada, dedilhando o seu contrabaixo.


Carlos Calado é autor de "O Jazz como Espetáculo", entre outros livros


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