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MEMÓRIA
Ray Brown deixa padrão de elegância no jazz
CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O jazz perdeu um de seus
mais conceituados estilistas.
Morto na última terça-feira, aos
75 anos, horas antes de um show
em um clube de jazz de Indianápolis (nordeste dos Estados Unidos), o contrabaixista e compositor norte-americano Ray Brown
era um dos últimos remanescentes da geração do bebop -escola
que introduziu o jazz na modernidade, em meados dos anos 40.
Durante cinco décadas, ele desenvolveu e exibiu um estilo que
se tornou modelo seguido por várias gerações de contrabaixistas
acústicos.
Além do som volumoso e confortável que costumava extrair
das cordas de seu instrumento,
Brown distinguia-se pelas elegantes linhas rítmicas que marcavam
seus acompanhamentos. Em suma, forjou um estilo que unia o
útil ao agradável: técnica perfeita
com muito suingue.
Seu padrão de excelência levou-o a se tornar um dos músicos mais
requisitados de todos os tempos
nos estúdios norte-americanos.
Participou de mais de 2.000 sessões de gravação, ao lado de praticamente todos os principais músicos do jazz moderno: do pianista Duke Ellington ao saxofonista
Sonny Rollins; do vibrafonista
Milt Jackson ao baterista Elvin Jones.
O surgimento de Ray Brown na
cena do jazz virou uma anedota
constantemente repetida no
meio. Ao trocar a cidade natal de
Pittsburgh por Nova York, em
1945, o contrabaixista de 19 anos
teve a sorte de conhecer logo no
primeiro dia três revolucionários
pioneiros do bebop: o trompetista
Dizzy Gillespie, o saxofonista
Charlie Parker e o pianista Bud
Powell.
No dia seguinte, já tinha sido
contratado pelo trompetista para
fazer parte de sua big band e de
seus grupos menores.
Sucesso rápido
Três décadas mais tarde, o exigente Gillespie confirmou em sua
autobiografia (intitulada "To Be
or Not to Bop") que seu faro para
descobrir grandes talentos não falhara: "Ray Brown, no baixo, tocava as mais fortes, mais fluidas e
imaginativas linhas de baixo no
jazz moderno daquela época, com
exceção de Oscar Pettiford". Vale
lembrar que o contrabaixista Pettiford morreu prematuramente,
em 1960.
O sucesso de Brown foi bastante
rápido. Depois de participar de
gravações essenciais para a explosão do bebop, em 1948 já era diretor musical da cantora Ella Fitzgerald (com a qual esteve casado por
quatro anos).
Chegou a participar do grupo
que gerou o lendário Modern Jazz
Quartet, ao lado do vibrafonista
Milt Jackson. E entre 1951 e 1966
desenvolveu uma cultuada colaboração no trio do pianista canadense Oscar Peterson.
Diferentemente de outros grandes baixistas, gravou dezenas de
álbuns como líder. Entre seus discos mais recentes, está a série "Some of My Best Friends Are" (pela gravadora Telarc), na qual tocou
com vários vocalistas e instrumentistas do primeiro time do
jazz. Dois anos atrás fez duas elogiadas apresentações no Brasil, no
Free Jazz, em shows no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Àqueles que se surpreendiam com a sua permanência nos palcos depois dos 70 anos, costumava responder de modo bem-humorado: "Tenho muito tempo livre. Toco duas ou três horas por noite, me divirto e ainda sou pago por isso".
Aparentemente, Ray Brown morreu como sempre quis: na estrada, dedilhando o seu contrabaixo.
Carlos Calado é autor de "O Jazz como
Espetáculo", entre outros livros
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