São Paulo, sexta-feira, 05 de julho de 2002

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O pernambucano DJ Dolores lança, com a Orchestra Santa Massa, o álbum "Contraditório?"

Gilberto Freire cai no drum'n'bass

DA REPORTAGEM LOCAL

O pós-mangue beat está em cena. Após vários trabalhos de caráter totalmente independente, o DJ Dolores passa a circular no Brasil inteiro com a edição de "Contraditório?", produzido pelo selo recifense Candeeiro e distribuído nacionalmente pela Trama.
Sergipano radicado desde os 18 anos em Recife, Dolores (na verdade Helder Aragão, 35) foi membro algo pardo da geração de artistas que popularizou Chico Science e Fred Zero Quatro como líderes do dito mangue beat -fez, por exemplo, capas de discos da Nação Zumbi e do Mundo Livre S/A e dirigiu os primeiros videoclipes das mesmas bandas.
Hoje, radicaliza experimentos lançados pelo movimento recifense em "Contraditório?", elaborado em parceria com a Orchestra Santa Massa.
Formada especialmente para acompanhar o DJ em suas fusões de drum'n'bass, maracatu e o que mais vier, a Santa Massa é quase um "quem é quem" do que sobreviveu à ressaca do mangue beat.
Vocalista principal, Isaar França é cantora do grupo feminino pós-mangue Comadre Florzinha. O vocalista e guitarrista Fábio Trummer lidera a banda Eddie, da facção "lado B" do mangue. Cantor e rabequeiro, Maciel Salustiano personifica o ideário todo -é filho do mestre de maracatu Salustiano, uma das figuras veneradas do mangue.
O percussionista Mr. Jam completa a orquestra, que conta no disco também com participações de Fred Zero Quatro (Mundo Livre S/A), Lúcio Maia e Jorge du Peixe (Nação Zumbi), entre vários outros. Nos samples, até o sociólogo Gilberto Freyre ganha voz.
"Para mim, o mais bacana que restou do mangue beat é que todo mundo hoje trabalha com música e virou profissional. Como acontece em qualquer cena de qualquer lugar do mundo, o mangue partiu de uma turma muito pequena, que o inventou para diversão própria. Para mim, acabou quando deixou de ser da turma e virou do mundo. Quando vira fenômeno, perco o interesse", diz.
Dolores explica o porquê da formação da orquestra após discos "solo" de DJ, como a trilha sonora da peça "A Máquina" (2000):
"Quando fui chamado para me apresentar no Abril pro Rock de 99, achei que, se eu fosse fazer um live PA (execução de música eletrônica ao vivo) sozinho, não ia ficar interessante musicalmente. Reuni os músicos para aquela ocasião, mas depois vi que era interessante montar uma equipe que deixasse o trabalho mais sofisticado e coeso".
Embora os músicos tenham que se mover entre compromissos individuais, a Santa Massa vem seguindo unida desde então, por vários encontros (inclusive no Free Jazz de 2001 e em recente turnê por quatro países europeus).
""Contraditório?" é um disco de banda, no geral. É meio punk, até. O disco é um projeto, se funcionar bem a gente pode até dar continuidade", afirma Dolores.
Ele seria capaz de definir o extrato musical de seu trabalho com a Santa Massa? "Pertence a uma cena do Recife que está se sobrepondo à do mangue beat. Tem uma ligação especial com o uso do computador. Tenta misturar tudo, com certo respeito à tradição, mas não necessariamente de reverência. O nome do disco, "Contraditório?", extraído de Gilberto Freyre, sintetiza bem."
Traduzida em música, talvez a senha esteja em "A Dança da Moda", extraída do folclore alagoano pelas pernambucanas da Comadre Florzinha e reprocessada pelo sergipano DJ Dolores: "Essa moda é nova que vem de Sergipe/ sapato americano, cabelo à pirulito/ essa moda é nova, é de sergipano". (PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


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