São Paulo, sexta-feira, 05 de julho de 2002

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Disco sem música vira objeto de desejo

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Um disco sem música, com participação de um poeta que odiava música -abria pequenas exceções para o frevo e o flamenco-, rendeu os samples falados do disco de DJ Dolores & Orchestra Santa Massa e tem movido os pick-ups de muitas festas de pernambucanos e simpatizantes.
O CD se chama "Voz Poética", produzido pelo artista plástico Paulo Bruscky, em 98. Registra poemas gravados por João Cabral de Melo Neto, o do desprezo por música, Ascenso Ferreira, Manuel Bandeira, Mauro Mota, Olegário Mariano e Gilberto Freyre.
Quem disse que o autor de "Casa-Grande & Senzala" não cometeu lirismos tresloucados? A produção foi pequena, não passou pelo filtro da crítica metida, mas Bandeira se disse com "dor-de-corno", ciúmes, do primo.
Na faixa-título do disco de DJ Dolores, Freyre ressurge num sample tirado do enigmático "Voz Poética": "Serei eu contraditório?/ O mais contraditório dos homens". O mote explica o tricô eletrônico de Dolores, que nasceu Helder Aragão, em Propriá, Sergipe, e dali rumou enquanto jovem para o Recife, onde cantam as sereias da suposta modernidade.
O que falta de música no "Voz Poética", que teve uma tiragem de apenas 1.500 exemplares, sobra em ritmo. Gilberto Freyre pode não ter sido um grande poeta bissexto, mas recita com a dramaticidade de um grego. Bom.
Só perde para Ascenso Ferreira, a quem se rendeu, com elogios de "olhar estrangeiro", o turista aprendiz Mário de Andrade. Ascenso também virou sample no "Contraditório?" de DJ Dolores. A homenagem cai bem.


VOZ POÉTICA. Produção: Paulo Bruscky.
Editora: Cepe (tel. 0/xx/81/ 3421-4233). Edição esgotada.



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