São Paulo, sexta-feira, 05 de julho de 2002

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DOCUMENTÁRIO

Fã de Ken Loach, cineasta brasileiro faz longa para "corrigir" "Pão e Rosas"

Admiração do avesso

DA REPORTAGEM LOCAL

"Sem nenhuma pretensão", o diretor brasileiro Henrique Goldman, 40, procurou corrigir o cineasta britânico Ken Loach, 66. Sendo o cinema o território de ambos, é natural que o debate se desse na tela.
Os argumentos de Goldman estão expostos no documentário "Ken e Rosa", que o Cinemax leva ao ar esta noite no Brasil. Ou melhor, eles são o próprio filme.
A Rosa que protagoniza o título é figurante no longa de ficção "Pão e Rosas", lançado por Loach em 2000 e que aborda a luta por melhores salários e condições de trabalho de uma comunidade latina de funcionários de limpeza em Los Angeles (EUA).
No filme do britânico, a personagem central é a imigrante mexicana Maya, interpretada pela atriz Pilar Padilla. Ao dar o "papel principal" de seu documentário para a faxineira salvadorenha Rosa Ayalla, Goldman quis reparar um equívoco que considera recorrente no cinema de Loach e também uma injustiça específica.

Latinos x gringos
"Adoro o que ele faz, sou fã e me sinto influenciado por seus filmes, mas acho que, quando Loach trata da América Latina, não sabe do que está falando", diz o brasileiro, que morou quatro anos nos Estados Unidos e hoje tem residência fixa em Londres.
"Acho que o herói de "Pão e Rosas" é um americano politizado, que está ensinando a revolução para gente mil vezes superior a ele nesse assunto. Mexicanos e salvadorenhos entendem a revolução, historicamente, muito antes que os americanos. Eles não precisam de um heroizinho gringo para lhes dar lições. Isso não vale para o Brasil, onde a gente não entende de revolução, entende de Copa do Mundo", diz Goldman.
Quando cita o "heroizinho", o diretor se refere ao personagem Sam Shapiro (Adrien Brody), um organizador da luta sindical dos trabalhadores latinos.
"Ken e Rosa" acompanha as filmagens do longa de Loach, entrevista atores, técnicos e, é claro, o diretor. Para melhor traçar a biografia de Rosa Ayalla, o cineasta brasileiro e um assistente levam-na até El Salvador, onde vive a família que a faxineira ajuda a sustentar com o que recebe limpando escritórios em Los Angeles.
Financiado pela TV inglesa Channel Four, o filme seria, originalmente, um "making of" de "Pão e Rosas". O projeto rumou em direção à vida de Ayalla quando Goldman achou que "entre todos os envolvidos nas filmagens, ela era a pessoa mais fascinante".

Etiópia
O cineasta brasileiro diz ter a impressão de que Loach não gostou de seu filme, assim como o inverso também se deu. "Não gostaria de falar sobre isso, porque não quero ser impreciso. Mas me parece que ele acha que manipulei muito", diz.
Para que não haja dúvida sobre a admiração que (só) às vezes pende ao seu contrário, Goldman afirma: "Ken é uma das vozes mais interessantes, não só no cinema como no panorama político inglês. É um revolucionário no cinema e na política, mesmo que hoje essa palavra soe "démodé'".
Atualmente Goldman trabalha no roteiro de um filme de ficção a ser rodado na Etiópia, em torno da história de dois missionários que decidem trabalhar no país. "Adoro "outsiders'", diz.
O longa anterior de Goldman, "Princesa", de 2001, baseado na história real de um travesti brasileiro na Itália -também relatada em livro- foi exibido no Brasil em mostras e poderá entrar em cartaz no circuito comercial ainda este ano. "Estamos negociando o lançamento."
Comentando o filme de Loach, a salvadorenha Rosa Ayalla diz, para a câmera do brasileiro: "Eu me identifico tanto com esse filme que, por mim, ele poderia se chamar "Pão e Rosa'". Ao espectador, a chance de despetalar ambas as histórias. (SILVANA ARANTES)


KEN E ROSA - Direção: Henrique Goldman (EUA, 2001). Com Rosa Ayalla, Ken Loach e outros. Hoje, às 22h, no canal Cinemax (TV paga).


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