São Paulo, quinta-feira, 05 de agosto de 2004

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MEMÓRIA

Considerado um dos maiores nomes do fotojornalismo, o francês tinha 95 anos; causa da morte não foi revelada

Morre na França Henri Cartier-Bresson

PATRICK ROEGIERS
DO "MONDE"

Henri Cartier-Bresson, um dos grandes mestres da fotografia do século 20, morreu na segunda-feira, aos 95 anos de idade, em Céreste (Alpes-de-Haute-Provence). A informação foi dada por pessoas próximas ao fotógrafo, que também informaram que seu corpo foi sepultado na quarta-feira. A causa da morte não foi revelada.
Autor de uma obra grandiosa e pai do fotojornalismo moderno, um dos maiores fotógrafos contemporâneos, Henri Cartier-Bresson morreu em l'Isle-sur-la Sorgue (Vaucluse). Acaba de chegar ao fim uma vida inteira passada percorrendo o mundo.
Dotado de curiosidade insaciável e mais paradoxal do que sua obra parece indicar, Cartier-Bresson definiu sua relação com a fotografia nos seguintes termos: "Para mim, a máquina fotográfica é uma verdadeira amante. Ela nos dá vontade de encerrar o mundo inteiro nessa caixinha, com todos os detalhes significativos que fazem o encanto da existência". Cartier-Bresson, que só se tornou repórter profissional em 1946, dá a impressão de ter estado presente sempre. A maior parte dos fatos marcantes do século foi registrada por seu olhar.
Nascido em 1908, em Chanteloup, perto de Paris, ele cresceu num ambiente em que não faltava dinheiro e estudou pintura com André Lhote. Marcado pelos conceitos de André Breton sobre o acaso, a revolta e a intuição, ele foi primeiramente influenciado pelo surrealismo. Foi por meio do fotojornalismo, que ele comparava à instantaneidade do desenho, que chegou à fotografia, nos anos 1930. Cartier-Bresson carregava a máquina fotográfica como um caderno de anotações e afirmava ter encontrado seu senso de composição apenas três dias depois de ter começado a usar sua Leica.
Em Nova York, ele se iniciou na montagem fotográfica com Paul Strand. Em 1937 casou-se com Ratna Mohini, uma dançarina javanesa. Tornou-se assistente de Jean Renoir em três de seus filmes. Feito prisioneiro de guerra nos Vosges, em 1940, conseguiu escapar. Aos 38 anos, entrou para o mundo dos mitos com a homenagem póstuma que lhe foi feita após a guerra pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, acreditando que tivesse morrido.
Por mais que rejeitasse o rótulo de jornalista, Cartier-Bresson foi uma das principais testemunhas de todos os grandes acontecimentos mundiais, quer se tratasse da libertação de Paris, ou, em 1949, dos últimos dias do Kuomintang em Pequim. Passou pela China, por Cuba e pela Índia, onde esteve com freqüência. Era talvez nesse país que se sentisse melhor. Quer mostrasse o último jejum de Gandhi, seu corpo no dia seguinte a seu assassinato ou simples cenas de pesca ou oração, o desprendimento, o fervor e a abstração que marcam seu olhar são levados ao auge nessas imagens indianas.
O que fascina, de fato, é que esse olhar em nenhum momento perturba a ordem das coisas. Henri Cartier-Bresson fotografa "como um gato, sem incomodar". Suas imagens impecáveis, tão clássicas em sua forma, permanecem instantâneas porque são intrinsecamente ligadas ao prazer da tomada. Cartier-Bresson sabia que, em todas as circunstâncias, "a vida só se exprime de uma vez por todas". Nada se deve ao acaso nessas visões enquadradas com maestria, nas quais se combinam ao mesmo tempo a tensão, a graça e a emoção. "O segredo é a concentração", disse. Tudo depende da elasticidade do dedo. A tomada fotográfica ou o prazer tátil e sensual da tomada, como ele explicou claramente em sua teoria do ""instante decisivo".
Cartier-Bresson contribuiu para dar nobreza à fotografia em um momento em que ela era pouco reconhecida. Como Kertész, que ele sempre teve como mestre, ele originou toda uma geração de fotógrafos que, no pós-guerra, se sentiram em casa na rua.
Nos últimos anos, o culto a Cartier-Bresson vinha diminuindo. O pai da fotografia era contestado de vez em quando. A partir de 1973, passou a dedicar-se ao desenho, a lápis e a carvão. Apesar do cuidado extremo que dedicou a eles, esses desenhos jamais chegaram a ter o caráter de esboço instantâneo de suas fotos.
Em mais de meio século, igualando-se aos maiores, Cartier-Bresson criou uma obra imensa, cujo alcance ele resumiu assim: "Para compreender a história, é preciso conservar uma certa forma de inocência. Meu único segredo foi tomar meu tempo e, sobretudo, tomar o tempo necessário para viver com as pessoas ... e, depois, saber esquecer".


Tradução de Clara Allain


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