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LIVRO/LANÇAMENTO
Vida e música do sambista são tema de obras assinadas por uma antropóloga e por um vereador
Literatura "enquadra" Bezerra da Silva
BRUNO GARCEZ
da "Revista da Hora"
O samba do cantor Bezerra da
Silva, 62, desceu os morros e chegou à literatura com uma obra
que joga luz sobre episódios pouco conhecidos de sua vida.
Em "Bezerra da Silva - Produto
do Morro", a antropóloga Letícia
Vianna, além de enfocar a obra do
sambista, aborda os anos em que
Bezerra viveu como mendigo nas
ruas do Rio, seu processo de reintegração social com o auxílio de
um terreiro de umbanda e o ingresso, seguido de expulsão, na
Marinha Mercante.
Além do livro de Letícia Vianna,
que será lançado hoje no Rio, Bezerra deve ser tema de uma outra
biografia, cuja maior curiosidade
é o próprio autor, o vereador Ivo
Morganti (PMDB-SP), ex-radialista e ex-apresentador do programa "Aqui Agora".
Avesso à política partidária, a
ponto de defender o voto nulo,
Bezerra terá sua vida contada por
um político que se celebrizou por
decisões controversas, entre elas
as votações contra a CPI dos Precatórios e contra a prorrogação da
CPI da máfia da propina.
"O que me levou a querer escrever o livro foi meu lado jornalista.
O autor não será o político, mas
sim o homem, o cidadão", diz
Morganti. O vereador está na fase
das entrevistas e só começa efetivamente a escrever daqui a alguns
meses.
O livro de Letícia Vianna não
pretende ser uma biografia no
sentido clássico, como a que Morganti vai escrever. "Bezerra da Silva - Produto do Morro" intercala
episódios da vida do sambista, citações de sociólogos e análises de
letras. A obra é uma adaptação da
tese de doutorado da autora pelo
Museu Nacional do Rio de Janeiro, concluída em dezembro.
A despeito do viés sociológico, o
tratamento não é puramente acadêmico. O livro traz um glossário
com termos do sambista (veja
quadro ao lado) e descreve passagens saborosas de sua vida, como
no trecho em Bezerra conta ter sofrido assédio sexual de um superior na Marinha Mercante.
A resposta ao assédio foi um desacato que lhe valeu uma temporada no xadrez. Ao sair da prisão,
Bezerra foi expulso em uma solenidade oficial e não deixou passar
barato: "Eu gritava bem alto, na
Marinha Mercante todo mundo é
veado!", conta no livro.
Da sarjeta ao samba
O início da trajetória de Bezerra
da Silva é incerto. Segundo seu registro de nascimento, José Bezerra da Silva veio ao mundo em 23
de fevereiro de 1927, em Recife
(PE), mas sua mãe, Hercília Pereira da Silva, diz que a data não é
correta. A mãe de José foi abandonada pelo marido quando grávida
do filho. Seu pai, Alexandrino Bezerra da Silva, não procurou mais
a família e foi morar no Rio.
As veleidades musicais de José,
que cedo se manifestaram, foram
reprimidas por sua mãe e seu padrasto. No entender deles, música
não era profissão. O jeito foi repetir os passos do pai e ingressar na
Marinha Mercante.
Após a expulsão da corporação,
José, aos 15 anos de idade, viajou
clandestino em um navio, com
destino ao Rio, onde pretendia
encontrar o pai. Ele achou o endereço de seu Alexandrino, mas o
encontro foi desastroso. Após
uma semana na casa do pai, os
dois se desentenderam e Bezerra
nunca mais tornou a vê-lo.
No Rio, sem ter outras perspectivas, acabou indo trabalhar na
construção civil e foi morar em
um barraco no morro do Cantagalo (zona sul da cidade). Foi aí
que que começou a temporada de
visitas às delegacias do Rio. Bezerra calcula ter sido detido 21 vezes.
"Eu entrava em cana até duas
vezes no mesmo dia. Eles prendiam uns otários, trabalhadores.
Eu era detido, mas solto em seguida. Nunca sofri nenhum processo", afirma Bezerra.
Entre 1954 e 61, Bezerra, sem encontrar emprego, foi morar nas
ruas. Segundo Letícia Vianna,
quem levantou o tema foi próprio
sambista, nas entrevistas que lhe
concedeu. "Ele falou até sobre sua
abstinência sexual nessa época."
Bezerra conta que o jejum sexual a que esteve submetido não
chegou a ser total. "Teve umas
duas vezes que deu para arrumar
mulher. Uma debaixo de uma
ponte e outra que acabei perdendo para um padeiro que deu a ela
um pão doce", lembra, rindo.
A reintegração à sociedade se
deu após uma passagem por um
terreiro de umbanda, onde Bezerra foi acolhido. Lá, descobriu sua
mediunidade e soube, por meio
de uma mãe-de-santo, que seu
destino era a música. Compôs
uma canção de Carnaval, em 65,
gravada por Marlene, mas só em
70 foi gravar seu primeiro LP.
Seus dois primeiros trabalhos
são discos de coco, que ficaram
engavetados por vários anos.
Mais tarde é que enveredou pelo
samba de partido alto, gênero que
o celebrizou e com o qual construiu sua persona musical: o cantor das mazelas do morro, cronista da violência policial e comentarista irônico do tráfico e consumo
de drogas. Bezerra está prestes a
lançar seu 25º CD, gravado ao vivo na favela da Rocinha. O título
da faixa de trabalho é pitoresco:
"Se Leonardo da Vinci Porque
Que Eu Não Posso Dar Dois?"
Livro: Bezerra da Silva - Produto do Morro
Autora: Letícia Vianna
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 20
Quando: hoje, às 20h
Onde: Contracapa (r. Dias Ferreira, 214, Leblon, tel. 0/xx/21/511-4082)
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