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LIVRO/LANÇAMENTO
Obra escrita pela pesquisadora Marina de Mello e Souza tematiza as relações entre o continente e o país
"Reis Negros" busca raiz africana do Brasil
JOANA MONTELEONE
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Ao som de um batuque ritmado, o cortejo se prepara para sair.
Paramentados com saias rodadas,
cetros dourados e mantos brilhantes, dançando em louvor a
Deus e a Nossa Senhora, a procissão tem seu auge na coroação do
rei e da rainha do Congo. Chamadas de congadas, essas festas populares ainda são celebradas em
diversas cidades brasileiras, especialmente na região Sudeste. Sua
origem remonta aos primórdios
da escravidão, quando os primeiros africanos chegaram ao país.
Determinada a recuperar a história das relações entre a África e
o Brasil, a professora da USP Marina de Mello e Souza se voltou
para o passado do Congo.
O resultado é o recém-lançado
"Reis Negros no Brasil Escravista", livro que se insere num novo
modo de estudar a herança africana no Brasil, modo no qual tal herança é entendida na sua relação
com a história da África.
Usando elementos que misturam o catolicismo e a cultura africana, as coroações dos reis do
Congo sempre foram vistas como
uma vitória da influência portuguesa. Para Mello e Souza, isso
não é totalmente verdade: são
também uma vitória da influência
da cultura trazida da África.
Ao aportarem no Congo no final do século 15, os portugueses
encontraram uma sociedade que
acreditava que os homens brancos vindos do mar eram mensageiros dos deuses. A conversão ao catolicismo aconteceu naturalmente, sendo que o rei do Congo
foi um dos primeiros a ser convertido, seguido por sua corte.
"Ser católico era um símbolo de
poder", diz a pesquisadora. "Mas
é preciso notar que o catolicismo
seguido pelos africanos era especial." Conduzido à moda congolesa, os ritos e dogmas católicos foram adaptados à realidade africana. De um lado os portugueses
acreditavam ter convertido todo o
reino do Congo. De outro, os congoleses misturavam práticas pagãs com símbolos católicos.
"Por muito tempo acreditou-se
que os povos não letrados não
possuíam história", diz Mello e
Souza. "Nesse sentido é surpreendente se deparar com uma sociedade tão bem estruturada quanto
o Reino do Congo no século 15."
Era organização social complexa, com rei, nobreza e Estados que
coletavam impostos e planejavam
a produção agrícola. E a vida religiosa regia o casamento (a poligamia era regra) e usava elementos
simbólicos no culto aos deuses.
Embora o Reino do Congo fosse
o mais organizado, não havia
uma espécie de união africana. O
continente era marcado pela diversidade cultural, com muitas
línguas e também muitas tribos
em constantes guerras.
"Ao serem arrancados de suas
aldeias e transportados pelo continente africano rumo às feiras regionais e aos portos costeiros, os
escravos de diferentes etnias misturaram-se", diz Mello e Souza.
"Eles tiveram de aprender a se comunicar, superando as barreiras
regionais. Criavam novos laços de
sociabilidade que se consolidaram durante a travessia atlântica."
No Brasil, esses laços "se institucionalizaram na sociedade escravista colonial, à qual foram inseridos à força, acabando por encontrar formas de integração".
Produtos do encontro das culturas africana e ibérica, a festa de
coração dos Reis do Congo na
América adquiriu novo significado. Mais do que elementos de resistência, como a capoeira e a umbanda, as congadas atestam para
o sincretismo religioso e cultural.
REIS NEGROS NO BRASIL ESCRAVISTA.
De: Marina de Mello e Souza. Editora:
UFMG. Quanto: R$ 35 (394 págs.).
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