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ANÁLISE
Mercedes era mais que "voz do protesto"
Amigo e parceiro da cantora, Fagner avalia a importância de legado musical
RAIMUNDO FAGNER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nenhum outro artista
argentino, a não ser
Astor Piazzolla, conseguiu fazer uma agenda mundial, um nome internacional
como Mercedes Sosa.
Era uma cantora extraordinária. Quando se engajou politicamente, acabou entrando
em um beco sem saída. Não podia mais ficar em seu país, foi
exilada, e isso prejudicou demais sua carreira por lá.
Muitos dos artistas que militaram com ela voltaram atrás
quando as coisas apertaram.
Ela foi embora sozinha.
Começava ali uma fase de
grande sofrimento. Mais ainda
por ela ser mulher e estar já em
idade avançada.
Mercedes entrou bonito no
Brasil, ainda nos anos 70, quando fez gravações emblemáticas
com Chico Buarque e Milton
Nascimento.
O símbolo de resistência contra o regime que ela trazia da
Argentina coincidia exatamente com o tipo de música que vínhamos fazendo. Virou um lamento só, o nosso e o deles.
Conheci Mercedes em 1981.
Gravamos a música "Años"
para um disco meu. E foi ali que
ela alcançou o povão. Escolhi
essa justamente por ser uma
canção de amor. Queria que ela
saísse do estereótipo de "cantora de protesto".
Ela, no começo, não entendeu bem. Eu brincava, dizendo
que sua voz era a mais linda do
mundo, que tinha que cantar
como Ângela Maria.
Àquela altura, eu já cantava
muito mais para o povão e, para
tê-la comigo, ela teria que vir
com uma mensagem mais leve.
As questões da América Latina
já não nos interessavam mais.
Como as coisas estavam se
esvaziando muito politicamente, as pessoas não a procuravam
mais. E ela se ressentia disso.
Sofreu muito pela bandeira que
levantou e, depois, teve que
carregar sozinha.
Ficamos muito tempo juntos
em Madri, durante seu exílio.
Ela sofria demais com aquilo
tudo, tinha crises de depressão.
Como gostava muito de música brasileira, tentamos produzir um disco seu aqui. Mas
acabou não acontecendo.
De todo modo, Mercedes creditava a mim a forma como foi
recebida de volta à Argentina.
Dizia que, por conta de
"Años", pôde voltar a seu país
-e à parada de sucessos no rádio- com uma canção que não
era de protesto. Era uma música de amor. Agora, sua obra de
resistência pode voltar a ter
uma visibilidade maior.
RAIMUNDO FAGNER , é cantor e compositor
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