São Paulo, Sexta-feira, 05 de Novembro de 1999
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"Ride with the Devil" revela falta de criatividade de Ang Lee

LÚCIA NAGIB
enviada especial a Londres

"Ride with the Devil", filme de Ang Lee que abriu o Festival de Cinema de Londres, não consegue deixar mais do que uma interrogação no espectador.
Há muito o diretor taiwanês, emigrado para os Estados Unidos, optou pelo ecletismo, balançando entre a terra natal e a pátria adotiva. Sua proposta, como a de outros diretores estrangeiros na América, é imprimir a marca autoral no cinema hollywoodiano -tarefa difícil, capaz de arruinar a carreira dos que não têm o fôlego de um Fritz Lang.
"Ride with the Devil", filme voltado para o principal problema histórico dos Estados Unidos, a Guerra Civil de meados do século 19, em vez de nos mostrar Lee conquistando um novo terreno, revela um diretor acuado, incapaz de exercer sua criatividade.
Já a escolha do tema parece ousadia excessiva. Não apenas porque o assunto consta da agenda americana desde Griffith, mas porque o roteiro se baseia num romance polêmico de Daniel Woodrell, destinado a resgatar os jovens guerrilheiros sulistas, os "bushwhakers", lutadores ingênuos, mas sanguinários, que mantiveram seus violentos ataques mesmo depois da vitória dos "unionists" do Norte.
Jake Roedel, interpretado por Tobey Maguire, de "Tempestade de Gelo", é o duvidoso herói da história. Filho de um imigrante alemão, alinhado com os democratas, abandona o lar para guerrilhar do lado oposto ao do pai, contra um inimigo que ele não conhece direito. A causa escravocrata e separatista não passa de longínquas alusões ao longo dos 140 minutos de filme, largamente preenchidos por tiroteios.
Carente de elementos históricos, a trama se concentra em destinos individuais nem sempre interessantes. Na tediosa convivência entre os homens entocados no meio do mato, aparece uma jovem viúva, como que caída do céu, que lhes oferece alimento. É claro que pelo menos dois guerrilheiros se apaixonam por ela.
O heroísmo de Jake se resume ao fato de ele duvidar da eficácia das carnificinas que pratica, ao passo que seu amigo, Pitt (o belo Jonathan Rhys Meyers), se entrega a elas de coração.
Lee e seu roteirista de sempre, James Schamus, quiseram pintar o retrato comovente de meninos arrancados do conforto familiar, que não conhecem nada do mundo além do sangue, da mutilação e da morte. Mas esqueceram de explicar que a Guerra Civil não foi provocada por ingênuos vaqueiros, mas por racistas convictos.
Lee acabou fazendo um filme tendencioso, arrematado por uma música enjoativa e convencional, de injustificáveis inflexões patrióticas. O diretor alega que, enquanto estrangeiro colonizado pelo ideal americano, se identificou com os meninos sulistas dominados pelos yankees. Quem sabe num filme posterior esclareça melhor o que quis dizer com isso.


Avaliação: 

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