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GASTRONOMIA
O diplomata aposentado e 2,8 kg de comida
NINA HORTA
Colunista da Folha
Alan Davidson é um dos mais
conhecidos escritores de comida
ou, pensando bem, o mais conhecido estudioso do "assunto comida" na Inglaterra.
É prodigiosamente sabido, um
erudito que disfarça a sapiência
sob uma capa de ironia e muita
modéstia.
Era diplomata de carreira e, em
1961, foi com a família para a Tunísia. Comiam peixes deliciosos,
mas com nomes capazes de confundir -em árabe, francês e italiano. A mulher pediu uma aula
sobre peixes e ele escreveu um livreto que, por acaso, caiu nas
mãos de Elizabeth David, a cozinheira-musa.
Ela imediatamente farejou um
cientista-escritor e persuadiu Davidson a completá-lo com todos
os peixes do Mediterrâneo.
Em 1975, aposentou-se do serviço diplomático com certa angústia, mas já mordido pelo gosto de
escrever. Abriu uma pequena editora -mais interessada em reeditar livros antigos- e fundou uma
revista semi-acadêmica, a "Petit
Propos Culinaires", que se tornou
um cult.
Em 1976, em conversa com sua
editora, Jill Norman, comentou a
falta que sentia de um bom dicionário de comida que abrangesse o
mundo inteiro.
Ela respondeu imediatamente:
"Escreva um que eu banco". Juntaram-se, então, três editoras e firmaram um contrato com ele. Tinha cinco anos para escrever o dicionário, quase que sozinho.
Atrasou um pouco e só conseguiu
acabar 20 anos depois -agora.
"The Oxford Companion to
Food" (Alan Davidson, Oxford
University Press, 1999, Londres,
Nova York) acabou de sair.
Alan Davidson achou que a demora teve suas vantagens. A história da comida, nesses últimos
20 anos, pegou fogo, e muita coisa
escrita apareceu, das quais ele se
aproveitou.
Seus verbetes são divididos em
quatro grandes categorias:
1 - Plantas comestíveis e produtos derivados;
2 - Animais, pássaros, peixes e
produtos derivados;
3 - Alimentos preparados para
irem à mesa;
4- Cultura, religião, refeições,
dietas e cozinhas nacionais;
Evitou assuntos polêmicos, sobre os quais não tinha juízo totalmente formado. Não incluiu mutações genéticas dos alimentos,
nem fez comentários sobre a vaca
louca. Não incluiu receitas.
O próprio Alan Davidson chama a atenção para algumas coincidências entre ele e o autor do
"Grande Dicionário de Cozinha",
Alexandre Dumas, pai: o fato de
terem as mesmas iniciais, de Alan
ter traduzido para o inglês o dicionário, de gostarem de escrever
sobre comida e de não tomarem
vinho.
Dumas escreveu seu livro tendo
em mente homens sérios e mulheres não tão sérias, que não se
cansariam de folheá-lo. Davidson
também afirma que quando escreve pensa em mulheres. Talvez
por isto o dicionário seja ameno,
bom para consulta e até para leitura corrida.
Alexandre Dumas morreu com
o livro no prelo, sem ouvir elogios
ou críticas. Davidson se regozija
por ter escapado desta coincidência e já abriu uma página na Internet para colher sugestões do
mundo inteiro, correções inevitáveis, obra aberta, esperando ser
reconstruída por todos (http://
www.tripod.com).
Já achei uns recados para dar.
No verbete "Brasil Exagerou no
Dendê", ele dá uma receita de
acarajé com camarão na massa e
sugere que o nosso pirão é feito só
de farinha e água fervente. De resto, descubro que nunca comi nostoc, um tipo de alga já nomeada
por Paracelso, e nunca subi num
pé da fruta ramontchi. Jamais
temperei meu feijão com advieh,
mistura persa, e mal posso esperar para comer biltong.
Era um livro muito esperado.
Por curiosidade, levei-o à balança.
Pesa 2,8 kg -único defeito.
E-mail: ninahort@uol.com.br
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