São Paulo, Sexta-feira, 05 de Novembro de 1999
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Paris volta a celebrar arte do "excluído" Chardin


No 300º aniversário do pintor, o Grand Palais reedita mostra de sucesso de 1979



HAROLDO CERAVOLO SEREZA
em Paris

Para comemorar os 300 anos de nascimento de Jean-Baptiste Siméon Chardin (1699-1779), o Grand Palais "reapresenta" uma mostra que comemorou os 200 anos de sua morte, em 1979.
Vinte anos depois, a exposição do mestre da natureza-morta e das cenas da vida privada é revista -e merece ser revisitada.
Num tempo em que a grande pintura era a histórica, Chardin começou como excluído.
Não tendo recebido formação da Academia Real, Chardin teve de "inventar" um caminho. Encontrou-o, inicialmente, representando raias, coelhos, peixes, pêssegos, uvas, romãs, ladeados por jarras, pães e potes, algumas vezes observados por cães, gatos e aves. Chardin retratou cenas que antecipariam motivos de pintores como Cézanne e Morandi.
Nunca completamente contente com sua produção, passou a pintar cenas da vida privada, voltando algumas vezes à natureza-morta, e terminou a vida mudando de técnica e obtendo sucesso ao pintar retratos em pastel.
Na opinião do curador da mostra e presidente-diretor do Louvre, Chardin foi um subversivo, embora essa não tenha sido jamais sua intenção. Pierre Rosenberg afirma que Chardin "não inventou novos assuntos, ele inventou a pintura pura, uma nova forma de pintura".
Os biógrafos de Chardin costumam contar que tudo começou diante de um simples coelho (pequenos animais de caça são constantes em sua obra).
Aluno da Academia de Saint-Luc, teve de pintar um. Sua dificuldade não era reproduzir cada pêlo, mas criar uma representação do conjunto que trouxesse a verdade do que estava vendo.
Chardin se envolveu de tal forma com o trabalho que, a partir desse dia, só pintava a partir do que via. Sentia que precisava esquecer tudo o que já fizera e, mais que isso, tudo o que os outros já haviam pintado.
A natureza-morta é a grande introdutora da obra de Chardin. E é por ela que começa a mostra do Grand Palais. Logo no início, estão lá "A Raia" e "O Bufê", apresentados pela primeira vez na Exposição da Juventude, na praça Dauphine, em 1728. Também nesse ano, Chardin é recebido na Academia Real como pintor "do talento de animais e frutas".
Não era exatamente o que o filho de uma família de marceneiros esperava. Seu grande sonho era ser um pintor histórico, como Watteau ou David, dos que pintavam sobretudo a partir de passagens bíblicas ou cenas da mitologia grega, em que cada quadro, precedido de uma infinidade de estudos, trazia uma grande narrativa -ou, no mínimo, uma historieta. Chardin tentou seguir esse caminho -na Saint-Luc receberia alguma formação nesse sentido, mas o resultado de seus esforços era medíocre.
Outro sintoma da "exclusão": não fez, como muitos pintores de seu tempo, uma "viagem obrigatória" à Itália. As obras de arte italianas que conheceu eram as que faziam parte das coleções francesas da época.
Depois de anos dedicando-se à morta, Chardin, já casado e pai de Jean-Pierre Chardin, exibe, em 1733, seus primeiros quadro de cenas de gênero.
No ano seguinte, exibe 16 quadros na praça Dauphine, entre eles "Mulher Selando uma Carta" e ""A Lavadeira". Com eles, Chardin inicia um período em que ganha prestígio e clientes, mas em que não chega a abandonar a natureza morta. "Mulher Selando uma Carta", provavelmente o primeiro quadro de gênero de Chardin, apresenta personagens vestidos luxuosamente, o que seria abandonado em seguida.
"A Lavadeira" já traz duas empregadas lavando roupas, uma de frente, outra de costas, enquanto um menino faz bolhas de sabão e um gato permanece completamente estático.
Em 1735, com cenas da vida privada, Chardin se candidata ao posto de oficial da Academia Real. Em 1737, com a reabertura do Salão do Louvre, Chardin passa a expor regularmente. Três anos depois, é apresentado ao rei Luís 15, a quem oferece dois quadros: "A Bênção" e "A Mãe Laboriosa", que hoje integram o acervo do museu do Louvre.
Nos anos 1750, Chardin assume o posto de tesoureiro da Academia e recebe um apartamento no Louvre. Entre seus clientes, estavam Frederico, o Grande, monarca prussiano, e membros das cortes sueca e russa, entre outras.
No final da vida, Chardin, com problemas de visão, troca o óleo sobre tela pelo pastel. Na sua última conquista, produz retratos e autoretratos marcantes. Chardin morreu em 1779 sem conseguir o status de "artista oficial", que desejava -o que, no seu caso, garantiu-lhe vida confortável e uma posteridade que já dura 300 anos.


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