São Paulo, Sexta-feira, 05 de Novembro de 1999
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ERUDITO
A soprano espanhola faz turnê pelo país passando por Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro e SP
Montserrat Caballé volta ao Brasil

IRINEU FRANCO PERPETUO
especial para a Folha

Troca-troca de divas na temporada lírica paulistana. Com o cancelamento do recital da soprano norte-americana Jessye Norman, agendado para o próximo dia 9, a DellArte resolveu trazer mais uma vez para o Brasil Montserrat Caballé.
Já no Brasil, a soprano, de 66 anos, iniciou sua turnê anteontem, em Belo Horizonte. Hoje é a vez de Salvador. Amanhã, o Rio de Janeiro ouve a soprano. Em substituição a Jessye Norman, os paulistanos assistem ao concerto de Caballé no Municipal, no dia 9.
No programa das apresentações, trechos de zarzuelas (teatro musical espanhol) e das óperas "Gabriella de Vergy", de Donizetti; "Adriana Lecouvreur", de Cilea; "Hérodiade", de Massenet; e "Otello", de Verdi.
O acompanhamento é da Orquestra Sinfônica da Bahia, regida pelo espanhol José Collado.
Espera-se que, desta vez, os concertos da diva catalã no Brasil não tenham os problemas de desorganização e falta de ensaios mostrados em abril de 98, quando, ao lado da filha, a soprano Montserrat Martí, Caballé cantou em São Paulo acompanhada pela Sinfônica de Porto Alegre.
Pureza do legato (termo que designa notas suavemente ligadas, sem interrupção perceptível no som, nem ênfase especial) e pianíssimos longamente sustentados sempre foram marca da cantora que acumulou mais de 90 papéis de ópera em sua extensa e consagrada carreira, tornando-se conhecida também do público pop graças a sua parceria com o astro Freddie Mercury.
Louvada em prosa e verso pela crítica do mundo todo devido à rara qualidade de sua voz, a soprano espanhola também foi acusada de, na busca da beleza do som, sacrificar a expressividade -a soprano norte-americana Cathy Berberian dizia que, se Caballé um dia perdesse a voz, seria apenas "uma vaca pobre e velha".
Ela chega ao Brasil após uma série de cinco concertos em Londres, Berlim, Praga, Lisboa e Barcelona, onde abriu a temporada de recitais do Gran Teatre del Liceu, reinaugurado em outubro após ter ficado fechado durante cinco anos para reformas devido a um incêndio que devastou a casa, em 31 de janeiro de 1994.
De sua residência, em sua cidade natal, Barcelona, Caballé falou por telefone à Folha.

Folha - Como foi a escolha do programa para esta sua apresentação brasileira?
Montserrat Caballé -
Estive cantando em Portugal no verão passado com este programa, e ele foi considerado o repertório ideal para trazer ao Brasil, pois há uma variedade de bel canto, de verismo e uma grande cena verdiana, além da música espanhola, que sempre me agrada fazer.

Folha - Quais são seus projetos fonográficos?
Caballé -
Um disco com árias de ópera e um com peças inéditas para nosso século -não para o próximo, mas para o que estamos acabando. Este disco me causa grande alegria, pois são obras que foram encontradas e recuperadas por mim. Por exemplo: descobri umas canções muito bonitas de Chopin na Biblioteca de Paris que são inéditas.

Folha - Como foi essa descoberta?
Caballé -
É algo que tenho feito durante toda minha vida. Você sabia que me chamam no mundo todo de "rato de biblioteca"? Puseram-me este apelido em Londres, e ele dura até hoje, porque gosto muito de investigar a música que está arquivada e esquecida.

Folha - Essas canções inéditas de Chopin são em polonês, como as outras que conhecemos dele?
Caballé -
Não, são em francês, o que é o ideal para mim. É uma coleção de 11 canções, que vou gravar para a BMG com o pianista Manuel Burguera.

Folha - E o que há no disco de árias de ópera?
Caballé -
Árias de Massenet, Haydn e Mascagni -não trechos de "Cavalleria Rusticana", mas coisas que nunca interpretei em minha vida. Não gosto de repetir.

Folha - Quais as próximas óperas completas que a sra. vai fazer?
Caballé -
"La Vierge", de Massenet, em Roma, em abril do ano que vem; e, também de Massenet, "Marie-Magdaleine", no Liceu. Depois, em Londres, faço "LInvito", de Donizetti -uma obra recém-encontrada- e há uma estréia mundial de Respighi, cem anos depois dele ter escrito a obra.

Folha - Que ópera é esta?
Caballé -
Se chama "Marie-Victoire", e vou fazer em vários teatros da Europa. É ambientada na Revolução Francesa, e a música é muito bonita.

Folha - Durante muitos anos, seu nome esteve associado ao bel canto, para depois chegar a papéis mais pesados.
Caballé -
O que é um equívoco. Comecei na Ópera de Basiléia, em 1956, fazendo, entre muitas coisas, Mozart e Richard Strauss. Não cantei meu primeiro papel de bel canto antes de 1965. O que acontece é que esta ocasião ("Lucrezia Borgia", de Donizetti, em Nova York) foi tão sensacional que todo mundo se esqueceu do que eu fizera antes. Criou-se, então, a imagem de Caballé associada ao bel canto. Foram anos maravilhosos, mas, com os anos, a voz requer outros personagens: cantei "Aida", "Tosca", "Manon Lescaut" e fui me introduzindo, como você diz, em papéis mais pesados.

Folha - Mas qual é o segredo de cantar papéis pesados e não perder as notas agudas e a leveza para a ornamentação que o bel canto requer?
Caballé -
Depende da técnica de cada um. E também depende da idade. Não dá para cantar aos 60 anos como se cantava aos 30. Vem daí a importância da formação técnica, para que se possa continuar cantando bel canto como se deve. Esta formação deve ser adquirida na juventude, com bons professores.
Eu não cantaria "La Traviata" hoje -seria tonto de minha parte- mas posso cantar muitas outras coisas.

Folha - E o que explica sua carreira estar sendo tão longa?
Caballé -
Também a técnica que se adquire na juventude, com bons professores. Além disso, a saúde vocal também é muito importante.Vocalmente, tive uma carreira sã.

Folha - Falando de técnica: cantores parecem estar sempre no dilema entre a articulação clara das frases, de um lado, e o legato, a linha vocal, de outro. A sra. parece ter escolhido sempre o legato, não?
Caballé -
Não é que eu tenha escolhido o legato, mas eu jamais deixei que o legato se rompesse por causa de uma letra "t", ou "r". Porque o compositor exige dicção clara, "ma lanima soprattutto" (mas a alma acima de tudo).

Folha - A sra. diria então, como Salieri, "prima la musica, poi le parole" (primeiro a música, depois as palavras)?
Caballé -
Não, isso não. Normalmente, os compositores do bel canto -e mesmo Verdi- conheciam a voz, e não colocavam frases irritantes no registro no qual não se pode articular. Eles mesmos o faziam.

Folha - A sua marca registrada são os pianíssimos longamente sustentados. Como se faz para obtê-los?
Caballé -
É uma coisa de técnica, da maneira como se projeta o som e do apoio que se dá ao som para que ele possa flutuar dessa maneira. Tanta gente aprendeu a fazer isso e não usa...

Folha - Por quê?
Caballé -
Sei lá! Talvez não gostem...Escuto às vezes vozes maravilhosas, mas penso: "Que pena que não façam o que o compositor escreveu em frases nas quais está marcada três vezes a letra "p", de pianíssimo".

Folha - Depois das apresentações no Brasil, o que há de mais importante na sua agenda?
Caballé -
Concertos em Paris, Madri e Saragoça.


Concerto: Montserrat Caballé (soprano); Orquestra Sinfônica da Bahia/José Collado, regente Quando: em SP, dia 9, às 21h Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº, tel.0/xx/11/222-8698) Quanto: de R$ 30 a R$ 120 Patrocínio: IBM


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