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ERUDITO
A soprano espanhola faz turnê pelo país passando por Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro e SP
Montserrat Caballé volta ao Brasil
IRINEU FRANCO PERPETUO
especial para a Folha
Troca-troca de divas na temporada lírica paulistana. Com o cancelamento do recital da soprano
norte-americana Jessye Norman,
agendado para o próximo dia 9, a
DellArte resolveu trazer mais
uma vez para o Brasil Montserrat
Caballé.
Já no Brasil, a soprano, de 66
anos, iniciou sua turnê anteontem, em Belo Horizonte. Hoje é a
vez de Salvador. Amanhã, o Rio
de Janeiro ouve a soprano. Em
substituição a Jessye Norman, os
paulistanos assistem ao concerto
de Caballé no Municipal, no dia 9.
No programa das apresentações, trechos de zarzuelas (teatro
musical espanhol) e das óperas
"Gabriella de Vergy", de Donizetti; "Adriana Lecouvreur", de Cilea; "Hérodiade", de Massenet; e
"Otello", de Verdi.
O acompanhamento é da Orquestra Sinfônica da Bahia, regida
pelo espanhol José Collado.
Espera-se que, desta vez, os
concertos da diva catalã no Brasil
não tenham os problemas de desorganização e falta de ensaios
mostrados em abril de 98, quando, ao lado da filha, a soprano
Montserrat Martí, Caballé cantou
em São Paulo acompanhada pela
Sinfônica de Porto Alegre.
Pureza do legato (termo que designa notas suavemente ligadas,
sem interrupção perceptível no
som, nem ênfase especial) e pianíssimos longamente sustentados
sempre foram marca da cantora
que acumulou mais de 90 papéis
de ópera em sua extensa e consagrada carreira, tornando-se conhecida também do público pop
graças a sua parceria com o astro
Freddie Mercury.
Louvada em prosa e verso pela
crítica do mundo todo devido à
rara qualidade de sua voz, a soprano espanhola também foi acusada de, na busca da beleza do
som, sacrificar a expressividade
-a soprano norte-americana
Cathy Berberian dizia que, se Caballé um dia perdesse a voz, seria
apenas "uma vaca pobre e velha".
Ela chega ao Brasil após uma série de cinco concertos em Londres, Berlim, Praga, Lisboa e Barcelona, onde abriu a temporada
de recitais do Gran Teatre del Liceu, reinaugurado em outubro
após ter ficado fechado durante
cinco anos para reformas devido
a um incêndio que devastou a casa, em 31 de janeiro de 1994.
De sua residência, em sua cidade natal, Barcelona, Caballé falou
por telefone à Folha.
Folha - Como foi a escolha do
programa para esta sua apresentação brasileira?
Montserrat Caballé - Estive
cantando em Portugal no verão
passado com este programa, e ele
foi considerado o repertório ideal
para trazer ao Brasil, pois há uma
variedade de bel canto, de verismo e uma grande cena verdiana,
além da música espanhola, que
sempre me agrada fazer.
Folha - Quais são seus projetos
fonográficos?
Caballé - Um disco com árias de
ópera e um com peças inéditas
para nosso século -não para o
próximo, mas para o que estamos
acabando. Este disco me causa
grande alegria, pois são obras que
foram encontradas e recuperadas
por mim. Por exemplo: descobri
umas canções muito bonitas de
Chopin na Biblioteca de Paris que
são inéditas.
Folha - Como foi essa descoberta?
Caballé - É algo que tenho feito
durante toda minha vida. Você
sabia que me chamam no mundo
todo de "rato de biblioteca"? Puseram-me este apelido em Londres, e ele dura até hoje, porque
gosto muito de investigar a música que está arquivada e esquecida.
Folha - Essas canções inéditas
de Chopin são em polonês, como as outras que conhecemos
dele?
Caballé - Não, são em francês, o
que é o ideal para mim. É uma coleção de 11 canções, que vou gravar para a BMG com o pianista
Manuel Burguera.
Folha - E o que há no disco de
árias de ópera?
Caballé - Árias de Massenet,
Haydn e Mascagni -não trechos
de "Cavalleria Rusticana", mas
coisas que nunca interpretei em
minha vida. Não gosto de repetir.
Folha - Quais as próximas óperas completas que a sra. vai fazer?
Caballé - "La Vierge", de Massenet, em Roma, em abril do ano
que vem; e, também de Massenet,
"Marie-Magdaleine", no Liceu.
Depois, em Londres, faço "LInvito", de Donizetti -uma obra recém-encontrada- e há uma estréia mundial de Respighi, cem
anos depois dele ter escrito a obra.
Folha - Que ópera é esta?
Caballé - Se chama "Marie-Victoire", e vou fazer em vários teatros da Europa. É ambientada na
Revolução Francesa, e a música é
muito bonita.
Folha - Durante muitos anos,
seu nome esteve associado ao
bel canto, para depois chegar a
papéis mais pesados.
Caballé - O que é um equívoco.
Comecei na Ópera de Basiléia, em
1956, fazendo, entre muitas coisas, Mozart e Richard Strauss.
Não cantei meu primeiro papel de
bel canto antes de 1965. O que
acontece é que esta ocasião ("Lucrezia Borgia", de Donizetti, em
Nova York) foi tão sensacional
que todo mundo se esqueceu do
que eu fizera antes. Criou-se, então, a imagem de Caballé associada ao bel canto. Foram anos maravilhosos, mas, com os anos, a
voz requer outros personagens:
cantei "Aida", "Tosca", "Manon
Lescaut" e fui me introduzindo,
como você diz, em papéis mais
pesados.
Folha - Mas qual é o segredo
de cantar papéis pesados e não
perder as notas agudas e a leveza para a ornamentação que o
bel canto requer?
Caballé - Depende da técnica de
cada um. E também depende da
idade. Não dá para cantar aos 60
anos como se cantava aos 30.
Vem daí a importância da formação técnica, para que se possa
continuar cantando bel canto como se deve. Esta formação deve
ser adquirida na juventude, com
bons professores.
Eu não cantaria "La Traviata"
hoje -seria tonto de minha parte- mas posso cantar muitas outras coisas.
Folha - E o que explica sua carreira estar sendo tão longa?
Caballé - Também a técnica que
se adquire na juventude, com
bons professores. Além disso, a
saúde vocal também é muito importante.Vocalmente, tive uma
carreira sã.
Folha - Falando de técnica:
cantores parecem estar sempre
no dilema entre a articulação
clara das frases, de um lado, e o
legato, a linha vocal, de outro. A
sra. parece ter escolhido sempre
o legato, não?
Caballé - Não é que eu tenha escolhido o legato, mas eu jamais
deixei que o legato se rompesse
por causa de uma letra "t", ou "r".
Porque o compositor exige dicção
clara, "ma lanima soprattutto"
(mas a alma acima de tudo).
Folha - A sra. diria então, como Salieri, "prima la musica, poi
le parole" (primeiro a música,
depois as palavras)?
Caballé - Não, isso não. Normalmente, os compositores do
bel canto -e mesmo Verdi- conheciam a voz, e não colocavam
frases irritantes no registro no
qual não se pode articular. Eles
mesmos o faziam.
Folha - A sua marca registrada
são os pianíssimos longamente
sustentados. Como se faz para
obtê-los?
Caballé - É uma coisa de técnica, da maneira como se projeta o
som e do apoio que se dá ao som
para que ele possa flutuar dessa
maneira. Tanta gente aprendeu a
fazer isso e não usa...
Folha - Por quê?
Caballé - Sei lá! Talvez não gostem...Escuto às vezes vozes maravilhosas, mas penso: "Que pena
que não façam o que o compositor escreveu em frases nas quais
está marcada três vezes a letra "p",
de pianíssimo".
Folha - Depois das apresentações no Brasil, o que há de mais
importante na sua agenda?
Caballé - Concertos em Paris,
Madri e Saragoça.
Concerto: Montserrat Caballé
(soprano); Orquestra Sinfônica da
Bahia/José Collado, regente
Quando: em SP, dia 9, às 21h
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nº, tel.0/xx/11/222-8698)
Quanto: de R$ 30 a R$ 120
Patrocínio: IBM
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