São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2008

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Comentário

Esses caras fazem comida de verdade

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA

O que poderia ter sido uma babélica confusão de sabores, um serviço caótico, com quase duas dezenas de chefs de renome mundial se acotovelando entre assistentes e estudantes para servir 80 convidados, terminou sendo um manso baile, em que belas criações se sucederam num ritmo talvez um pouco lento, mas sem dar a sensação de abandono.
A sala do jantar tinha telas planas, em que se podia assistir ao movimento dos chefs. Um clima de alegria era maior do que o de tensão, comum nas cozinhas profissionais. Mas a coisa foi profissional.
A sucessão de tapas, pratos e sobremesas teve, é claro, momentos de maior e melhor brilho. Mas a seqüência não foi destituída de sentido, evoluiu num crescendo orquestrado, no qual a leveza imperou.
É comum que pratos preparados por grandes chefs fora de seu país decepcionem se comparados com as criações originais.
Neste jantar, poucas vezes isso aconteceu. Alguns pratos de execução difícil e meticulosa conseguiram mostrar plenamente sua idéia. De Adrià, o moshi de gorgonzola (perturbante esfera delicadamente maleável, para colocar na boca de uma vez e revelar duas texturas cremosas e duas profundidades de sabor) e o pão-de-ló de gergelim negro e missô (com a aparência de palha-de-aço, quase se desfaz ao toque e tem sabor diáfano).
De Joan Roca, as ostras perfeitamente macias envolvidas em cava. De Andoni Aduriz, um carpaccio vegetal que suscitou curiosidade quanto aos ingredientes (eram lâminas de melancia). De Dani García, um creme de tomate em formato de tomate (pequena ourivesaria).
O ovo perfeito de Quique Dacosta. O risoto líquido de coco com dendê, com surpreendente leveza, de Alex Atala. E a provocativa e deliciosa sobremesa de gim-tônica, clássico de Pedro Subijana.
Trabalharam harmoniosamente e em equipe, como nem sempre se vê no mundo das vaidades que impregna a trajetória de muitos chefs. O jantar mostrou que boa parte da fantasia que cerca o trabalho deles (de que seriam só espumas e texturas malucas) não passa de estereótipo. Esses caras fazem comida de verdade. Diferente, de vanguarda, mas, sobretudo, boa de comer.


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