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Comentário
Esses caras fazem comida de verdade
JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA
O que poderia ter sido
uma babélica confusão de
sabores, um serviço caótico, com quase duas dezenas de chefs de renome
mundial se acotovelando
entre assistentes e estudantes para servir 80 convidados, terminou sendo
um manso baile, em que
belas criações se sucederam num ritmo talvez um
pouco lento, mas sem dar a
sensação de abandono.
A sala do jantar tinha telas planas, em que se podia
assistir ao movimento dos
chefs. Um clima de alegria
era maior do que o de tensão, comum nas cozinhas
profissionais. Mas a coisa
foi profissional.
A sucessão de tapas, pratos e sobremesas teve, é
claro, momentos de maior
e melhor brilho. Mas a seqüência não foi destituída
de sentido, evoluiu num
crescendo orquestrado, no
qual a leveza imperou.
É comum que pratos
preparados por grandes
chefs fora de seu país decepcionem se comparados
com as criações originais.
Neste jantar, poucas vezes isso aconteceu. Alguns
pratos de execução difícil e
meticulosa conseguiram
mostrar plenamente sua
idéia. De Adrià, o moshi de
gorgonzola (perturbante
esfera delicadamente maleável, para colocar na boca de uma vez e revelar
duas texturas cremosas e
duas profundidades de sabor) e o pão-de-ló de gergelim negro e missô (com
a aparência de palha-de-aço, quase se desfaz ao toque e tem sabor diáfano).
De Joan Roca, as ostras
perfeitamente macias envolvidas em cava. De Andoni Aduriz, um carpaccio
vegetal que suscitou curiosidade quanto aos ingredientes (eram lâminas de
melancia). De Dani García,
um creme de tomate em
formato de tomate (pequena ourivesaria).
O ovo perfeito de Quique Dacosta. O risoto líquido de coco com dendê,
com surpreendente leveza, de Alex Atala. E a provocativa e deliciosa sobremesa de gim-tônica, clássico de Pedro Subijana.
Trabalharam harmoniosamente e em equipe,
como nem sempre se vê no
mundo das vaidades que
impregna a trajetória de
muitos chefs. O jantar
mostrou que boa parte da
fantasia que cerca o trabalho deles (de que seriam só
espumas e texturas malucas) não passa de estereótipo. Esses caras fazem comida de verdade. Diferente, de vanguarda, mas, sobretudo, boa de comer.
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