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O guia espiritual da paranóia norte-americana
da Reportagem Local
O indício parece óbvio, mas nem
por isso confiável. O Mao a quem o
escritor Don DeLillo se refere, em
seu mais novo trabalho editado no
Brasil, não é o cidadão da história
chinesa -ou ao menos não só.
DeLillo em "Mao 2", seu décimo
livro, publicado nos EUA em 1991
(75 mil cópias vendidas em primeira edição), faz da submissão
convertida em religiosidade, e da
força transformada em fanatismo,
o tema para um romance épico sobre a vida e o descontrole nos Estados Unidos que, por força das circunstâncias do mundo, representa
hoje quase todo o Ocidente.
Em "Os Nomes" (Companhia
das Letras), DeLillo avisava que ser
um norte-americano significa
ocupar o lugar de um alvo preferencial. Agora, lança seus personagens no pleno território do perigo.
Conta-se então a história de um
escritor como DeLillo. E, da mesma maneira que seu criador, Bill
Gray também não suporta a convivência com a mídia e prefere se ausentar das celebrações em nome da
literatura, das artes e da cultura.
Já foi dito que DeLillo está na escala sete de fuga da mídia. Thomas
Pynchon consegue um número oito e J.D. Salinger, é claro, tem um
dez, a pontuação máxima.
Gray, por isso, é montado à imagem e semelhança do autor de "O
Apanhador no Campo de Centeio".
DeLillo conta que no verão de
1988 viu uma foto de Salinger estampada na capa do jornal The
New York Post, a primeira publicada desde 1955. A imagem mostrava um homem desesperado.
DeLillo pensou que a foto se igualava a um tiro, e sua publicação a
uma sentença de morte.
"Mao 2" traz (não por coincidência) a perseguição de Gray por
uma fotógrafa que se especializou
em retratar escritores. Mas esse é
apenas um entre vários jogos de
caça e caçador. O escritor, durante
a trama, acaba se envolvendo com
um grupo terrorista.
Na aventura, é acompanhado
por seu assistente, Scott, e sua mulher (que no decorrer da história
terminará se apaixonando pelo recluso Bill).
Seguindo um esquema típico de
DeLillo, em "Mao 2" os personagens falam sem parar, como se a
língua e suas teorias sobre os casos, objetos e lugares estivessem
além deles, e seus discursos fossem
resultado da ação de uma força
desconhecida em seus lábios.
Falam de acontecimentos em
terras distantes, das seitas espalhadas pelos EUA (a Igreja da Unificação), das drogas, da televisão, das
embalagens em supermercado e
do terrorismo internacional.
O terror organizado, para DeLillo, se assemelha, de certa maneira, ao trabalho de um romancista.
Há, em seu livro, a crença de que
nas sociedades democráticas o terrorismo é repleto de significados
por ser uma ação transformadora
de consciência. O papel de agente
transformador, antes, acredita,
cabia ao escritor.
Hoje, pensa DeLillo, isso lhe foi
roubado porque a própria liberdade resultou em banalização de
imagens, conceitos e idéias. A literatura e seu produtor vivem atrelados não mais a um público interessado. Sai a audiência. Entram os
consumidores.
Paul Auster
A chegada de "Mao 2", e suas
idéias, resultaram em um choque
para seus contemporâneos.
Depois de ler o livro, o romancista Paul Auster escreveu "Leviatã"
(ed. Bestseller), que, segundo seu
próprio autor, é uma continuação
-ou resposta- ao livro escrito
por DeLillo.
Auster cria um personagem que
abandona a literatura para cometer atos de terror: colocar bombas
em réplicas da Estátua da Liberdade. Nas páginas iniciais desse romance, uma dedicatória a Don DeLillo.
Para a crítica de seu país, DeLillo
se incumbe de dar voz às paranóias
da nação. Um autor empenhado
em revelar que tipo de civilização
se formou a partir da explosão de
uma bomba atômica e da implantação das cadeias de fast-food em
escala mundial.
Em cada um de seus livros -e
"Mao 2" é um fino exemplo, ao
lado de "Ruído Branco"- tudo o
que quase não damos atenção (o
combustível, o forno microondas,
o ferro à vapor) em nosso cotidiano se torna atuante e invariavelmente repleto de significados.
Tudo nos avisa, por fim, em que
tipo de futuro poderemos mergulhar.
(MARCELO REZENDE)
Livro: Mao 2
Autor: Don DeLillo
Lançamento: Rocco
Quanto: preço não definido (488 págs.)
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