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São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2003

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MÚSICA

Maior vendedor brasileiro de discos lança "Pra Sempre" com faixas inéditas de amor e sem 1 milhão de CDs na rua

Roberto Carlos oscila entre ser e não ser

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Mudou. Roberto Carlos, 62, se despe em "Pra Sempre" do hábito de inserir mensagens religiosas em suas canções, que manteve religiosamente nos lançamentos natalinos dos últimos dez anos.
Não mudou. Fala exclusiva e obsessivamente sobre amor em oito das dez canções de "Pra Sempre", cristalizando o amor na figura de sua ex-mulher Maria Rita, que morreu de câncer em 1999. "A melhor mensagem é a que este disco todo tem, a de amor", explicou no encontro coletivo anual com a imprensa, anteontem.
Mudou e não mudou. "Falo do amor como tem que ser, bem-sucedido, positivo. Já fiz muitas canções de amor mal-sucedido, mas nunca peguei pesado. Nunca quis falar das coisas feias que às vezes acontecem numa relação."
Está diferente. Não evita assuntos políticos: afirma-se contra a pena de morte (embora a favor da redução da maioridade penal) e a favor do uso de preservativos nas relações sexuais (apesar da total oposição da Igreja Católica a que sempre esteve ligado).
Continua o mesmo. Esquiva-se de comentar o governo Lula, embora acabe criticando-o indiretamente ao atacar a pirataria de CDs. "É lamentável ver seu trabalho ser invadido, sem atitudes enérgicas das autoridades. Isso é particular do Brasil, aqui é diferente do mundo inteiro."
Mudou. Adota em "Seres Humanos" -faixa recauchutada do álbum anterior- uma retórica favorável às atitudes humanas, contrária portanto a exemplares antigos seus, como o rock-canção de protesto "O Progresso" (76).
"Não vamos valorizar tanto a forma anterior de pensar", pede. "É um pouco contraditório com "O Progresso", mas é que com o tempo a gente vai aprendendo coisas, às vezes de forma dura".
Transformou-se. Em "O Cadillac", única faixa inédita composta com o parceiro Erasmo Carlos, deixa o amor a segundo plano e se remete a "O Calhambeque" (64), pelo avesso. Se na letra de 64 dispensava um refinado Cadillac porque seu coração batia pelo calhambeque caipira, na de hoje sai às ruas no luxuoso Cadillac.
Acalenta as velhas convicções. "Não é uma troca. Saio de Cadillac, volto e o coloco na garagem, junto com o calhambeque." Então está guardado, o calhambeque? "Estão guardados. Juntos."
Calhambeque na garagem, o amor está à solta no "Cadillac", embora em segundo plano. "Ao fazer o verso "peguei o meu amor que no caminho me esperava", pensei: "Coloquei Maria Rita dentro do Cadillac'", diz, sorrindo.
Muda e não muda. Não fala sobre o tratamento contra transtorno obsessivo-compulsivo, assumido por ele no especial global de 2002. Mas se ironiza e ri ao ser questionado sobre uma de suas obsessões (antes tidas como superstições): "Mais uma?".
Mudaram os tempos. O vice-presidente da Sony (sua gravadora desde 1961), Alexandre Schiavo, confessa que desta vez não há 1 milhão de álbuns de Roberto na rua -a tiragem inicial é de 800 mil. É cifra de risco num Brasil em que ninguém vendeu mais que 350 mil CDs no ano que está acabando. Schiavo admite que um eventual fracasso de vendas poderia simbolizar não o fracasso individual do "rei", mas o colapso de todo um sistema industrial.
O tempo antigo continua presente. "O importante é dar à música o que ela pede. Há Glenn Miller em "Pra Sempre". Se a música pede um som antigo a gente dá um som antigo", volta Roberto, nosso maior vendedor de discos.
E se condensa, ao contar que um Cadillac inflável participará do próximo show: "Devia fazer surpresa, mas falei. Não gosto de surpresa, não". Ser ou não ser Roberto Carlos, eis a questão.


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