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MÚSICA
Maior vendedor brasileiro de discos lança "Pra Sempre" com faixas inéditas de amor e sem 1 milhão de CDs na rua
Roberto Carlos oscila entre ser e não ser
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Mudou. Roberto Carlos, 62, se
despe em "Pra Sempre" do hábito
de inserir mensagens religiosas
em suas canções, que manteve religiosamente nos lançamentos
natalinos dos últimos dez anos.
Não mudou. Fala exclusiva e
obsessivamente sobre amor em
oito das dez canções de "Pra Sempre", cristalizando o amor na figura de sua ex-mulher Maria Rita,
que morreu de câncer em 1999.
"A melhor mensagem é a que este
disco todo tem, a de amor", explicou no encontro coletivo anual
com a imprensa, anteontem.
Mudou e não mudou. "Falo do
amor como tem que ser, bem-sucedido, positivo. Já fiz muitas canções de amor mal-sucedido, mas
nunca peguei pesado. Nunca quis
falar das coisas feias que às vezes
acontecem numa relação."
Está diferente. Não evita assuntos políticos: afirma-se contra a
pena de morte (embora a favor da
redução da maioridade penal) e a
favor do uso de preservativos nas
relações sexuais (apesar da total
oposição da Igreja Católica a que
sempre esteve ligado).
Continua o mesmo. Esquiva-se
de comentar o governo Lula, embora acabe criticando-o indiretamente ao atacar a pirataria de
CDs. "É lamentável ver seu trabalho ser invadido, sem atitudes
enérgicas das autoridades. Isso é
particular do Brasil, aqui é diferente do mundo inteiro."
Mudou. Adota em "Seres Humanos" -faixa recauchutada do
álbum anterior- uma retórica
favorável às atitudes humanas,
contrária portanto a exemplares
antigos seus, como o rock-canção
de protesto "O Progresso" (76).
"Não vamos valorizar tanto a
forma anterior de pensar", pede.
"É um pouco contraditório com
"O Progresso", mas é que com o
tempo a gente vai aprendendo
coisas, às vezes de forma dura".
Transformou-se. Em "O Cadillac", única faixa inédita composta com o parceiro Erasmo Carlos,
deixa o amor a segundo plano e se
remete a "O Calhambeque" (64),
pelo avesso. Se na letra de 64 dispensava um refinado Cadillac
porque seu coração batia pelo calhambeque caipira, na de hoje sai
às ruas no luxuoso Cadillac.
Acalenta as velhas convicções.
"Não é uma troca. Saio de Cadillac, volto e o coloco na garagem,
junto com o calhambeque." Então está guardado, o calhambeque? "Estão guardados. Juntos."
Calhambeque na garagem, o
amor está à solta no "Cadillac",
embora em segundo plano. "Ao
fazer o verso "peguei o meu amor
que no caminho me esperava",
pensei: "Coloquei Maria Rita dentro do Cadillac'", diz, sorrindo.
Muda e não muda. Não fala sobre o tratamento contra transtorno obsessivo-compulsivo, assumido por ele no especial global de
2002. Mas se ironiza e ri ao ser
questionado sobre uma de suas
obsessões (antes tidas como superstições): "Mais uma?".
Mudaram os tempos. O vice-presidente da Sony (sua gravadora desde 1961), Alexandre Schiavo, confessa que desta vez não há
1 milhão de álbuns de Roberto na
rua -a tiragem inicial é de 800
mil. É cifra de risco num Brasil em
que ninguém vendeu mais que
350 mil CDs no ano que está acabando. Schiavo admite que um
eventual fracasso de vendas poderia simbolizar não o fracasso individual do "rei", mas o colapso de
todo um sistema industrial.
O tempo antigo continua presente. "O importante é dar à música o que ela pede. Há Glenn Miller em "Pra Sempre". Se a música
pede um som antigo a gente dá
um som antigo", volta Roberto,
nosso maior vendedor de discos.
E se condensa, ao contar que
um Cadillac inflável participará
do próximo show: "Devia fazer
surpresa, mas falei. Não gosto de
surpresa, não". Ser ou não ser Roberto Carlos, eis a questão.
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