São Paulo, Quinta-feira, 06 de Janeiro de 2000


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MULTIMÍDIA "THE NEW YORK TIMES"
Aleijadinho criou "versão mulata" do barroco

da Redação


O jornal "The New York Times", em recente texto intitulado "Aleijadinho: Um mestre brasileiro que floresceu nas cidades do ouro", constata que o artista mineiro que trabalhou até a morte, amarrando seus instrumentos aos pulsos, merece ser reconhecido internacionalmente.
Aleijadinho, filho de uma escrava com um português, criou uma versão própria do barroco, diferenciada daquela desenvolvida na América espanhola -onde houve o contato com artesãos indígenas.
A exposição "Brasil Barroco -Entre o Céu e a Terra", a mais completa sobre o barroco brasileiro, ainda pode ser vista até o dia 6 de fevereiro, no Museu de Belas Artes da Cidade de Paris, o Petit Palais.
ALAN RIDING
do "The New York Times", em Paris


Até perto de seus 40 anos, Antônio Francisco Lisboa era um arquiteto e escultor bem-sucedido que desfrutava dos tempos felizes trazidos pela corrida do ouro no Estado brasileiro de Minas Gerais, no século 18.
Mas, por volta de 1777, ele contraiu uma misteriosa doença que forçou a amputação de seus dedos e das extremidades inferiores de suas pernas. A enfermidade valeu-lhe o apelido "Aleijadinho", mas ele continuou trabalhando, amarrando os instrumentos aos pulsos, até poucos anos antes de morrer, em 1814.
Hoje, é como Aleijadinho que Lisboa é celebrado, na posição de um dos mais importantes escultores do Novo Mundo. Suas estátuas de madeira e pedra de figuras religiosas representam o ponto alto da arte barroca nas Américas. Em parte, a razão de não ser mais conhecido fora do Brasil é porque seus trabalhos mais famosos estão em igrejas de Ouro Preto, Congonhas do Campo, São João del Rei e outras cidades coloniais de Minas Gerais. (...)
"Barroco Brasileiro - Entre o Céu e a Terra", (...) está dando aos parisienses a chance de descobrir não só cerca de duas dúzias de obras de Aleijadinho, mas também outros tesouros do movimento barroco, que deu forma à arte e à arquitetura brasileira do começo do século 17 ao começo do 19. (...)
Há um motivo especial para que a exposição se realize em Paris. Em 1945, Germain Bazin, curador de pinturas do Louvre, viajou ao Rio de Janeiro, onde descobriu o barroco brasileiro (...). Assim, a exposição é também uma homenagem a Bazin, que morreu em 1990.
Ainda assim, não é surpreendente que os historiadores de arte europeus e norte-americanos tenham pouca familiaridade com o movimento barroco, que varreu não só o Brasil mas também o México, o Peru, o Equador e a Bolívia. Espanha e Portugal (...) demonstraram pouco interesse pela arte de suas colônias latino-americanas, da mesma forma que os protestantes do norte da Europa e dos Estados Unidos não se sentiam atraídos pela iconografia católica. Por isso, na melhor das hipóteses, o movimento era considerado uma imitação dos estilos do sul da Europa.
No entanto, o barroco latino-americano era diferente. Surgiu inicialmente no México, no Peru, no Equador e na Bolívia não só porque a Espanha encontrou ouro e prata lá para financiar a construção de igrejas, mas também porque os povos pré-colombianos desses países já eram entalhadores e pedreiros experientes, -basta ver os grandes templos astecas, maias, incas (...)
Além de fornecer a mão-de-obra, portanto, os artesãos indígenas emprestaram uma visão própria ao trabalho que faziam, dando uma qualidade de sincretismo ao novo barroco.
No Brasil, em contraste, os índios eram em larga medida nômades. Como resultado, diferentemente dos espanhóis, os portugueses não encontraram grandes cidades já instaladas.
(...) Com o tempo, os escravos africanos e seus descendentes (Aleijadinho era filho de escrava com português) provaram-se escultores habilidosos, e assim criaram também uma versão própria do barroco. (...)
Comparadas às grandes catedrais e igrejas da América espanhola, as primeiras igrejas brasileiras tinham interiores relativamente simples (...). A descoberta do ouro, porém, fez de Minas Gerais a Florença do barroco brasileiro.
(...) As principais obras de Aleijadinho, que não podem ser transportadas, estão presentes em fotografias: as 12 estátuas em pedra de profetas do Velho Testamento que ficam em frente à igreja de Congonhas do Campo (...) realizadas entre 1796 e 1806, depois que o artista perdeu as mãos. (...)
(...) o talento dele fica mais claro nas esculturas, não só na forma como ele detalhava as dobras das roupas e capturava o movimento das figuras, mas também nas emoções poderosas e sempre diferentes transmitidas pelos rostos de suas estátuas. Aleijadinho, ao que parece, não se via simplesmente como criador de símbolos, mas sim como criador de pessoas vivas apanhadas em um drama transcendental. (...)
Hoje, o barroco volta a ser reconhecido como parte da herança cultural brasileira, mas, em um país obcecado pelo futuro, ele talvez seja mais apreciado pelas levas de turistas estrangeiros que passam de carro pelas grandes cidades coloniais de Minas Gerais.
É apropriado, portanto, que a mostra aconteça, e seja tão apreciada, em Paris: muitas das peças em estilo rococó que ela inclui parecem mais confortáveis no rebuscado Petit Palais do que seria possível nas modernas São Paulo ou Rio de Janeiro.


Exposição: Brasil Barroco - Entre o Céu e a Terra
Quando: Até 6 de fevereiro
Onde: Museu de Belas Artes da Cidade de Paris
Patrocínio: Union Latine, Petit Palais e Ministério da Cultura


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