São Paulo, terça-feira, 06 de março de 2001

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BIOGRAFIA

Gaúcho iniciou pesquisa para livro depois de ganhar fortuna em "O Céu É o Limite" com pergunta sobre o músico

Médico faz análise do tenor Enrico Caruso

CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um dos personagens centrais do filme "Magnolia", de Paul Thomas Anderson, é um ex-campeão infantil desses programas na TV de perguntas e respostas que não consegue superar o fato de ter deixado de ser uma personalidade para se transformar em um cidadão comum na idade adulta.
Aos 21 anos, o gaúcho (de origem húngara) Giörgy Miklós Böhm venceu, na extinta TV Tupi, em 1958, o legendário programa "O Céu É o Limite", respondendo sobre o tenor italiano Enrico Caruso. Ganhou Cr$ 1,5 milhão, uma fortuna para a época, e parecia trilhar o mesmo caminho do personagem do filme em direção ao anonimato -embora não com o mesmo destino dramático.
Böhm seguiu a carreira de medicina e se realizou: se tornou professor de patologia da USP e chegou a dirigir a fundação de apoio ao Hospital das Clínicas por nove anos. Caruso, porém, nunca lhe saiu da cabeça. Nos últimos 40 anos, cada viagem ao exterior que fez, a trabalho ou em férias, foi aproveitada para recolher e catalogar dados sobre o tenor.
Como se um novo "O Céu É o Limite" o estivesse aguardando, o patologista foi juntando e cruzando informações, em documentos, cartas, depoimentos e livros, até chegar ao que considera, apesar do título específico (e sem falsa modéstia), uma biografia completa do mais famoso tenor de todos os tempos: o livro "Enrico Caruso na América do Sul".
"É uma obra de uma vida inteira", diz Böhm, 64, sem planos de outras incursões literárias.
Em mais de 500 páginas, o médico acompanha o tenor desde o início da carreira, na Itália natal, até o apogeu, em Nova York, quando faria nada menos que 16 aberturas de temporada no Metropolitan, entre 1903 e 1920. Morreria no ano seguinte, aos 48 anos, vitimado por complicações decorrentes de uma infecção pulmonar. O grande tenor fumava dois maços de cigarro por dia.
A importância da América do Sul em sua carreira aparece, sobretudo, em Buenos Aires. A capital argentina foi a terceira cidade do mundo, depois de Nova York e Londres, onde Caruso mais cantou: foram 151 apresentações. "Mas Buenos Aires leva vantagem em relação às outras duas e em relação até mesmo às cidades italianas", diz o autor.
"Os argentinos assistem a um cantor em início de carreira, aos 26 anos, como a Itália, só que lá não vêem o produto maduro. Já com relação a Nova York e Londres, Buenos Aires leva a vantagem de ter esperado 12 anos para revê-lo, e os críticos podem perceber melhor as mudanças."
Um dos diferenciais de seu livro em relação às muitas obras sobre Caruso -constam 32 na bibliografia- é justamente a extensa pesquisa que fez nos jornais da época, nas cidades por onde o tenor passou. "Faço um trabalho baseado nos críticos", diz Böhm.
No Rio, Caruso se apresentaria 21 vezes. Em São Paulo, a apresentação da ópera "Manon", de Massenet, no Teatro Municipal, a última de sua única temporada na cidade, em 1917, ficou dominada pela lenda. O tenor, inconformado com as vaias, teria revidado, à João Gilberto, com uma banana à platéia. "Verdade ou mentira?", pergunta Giörgy Böhm no livro.
Caruso reconhece a vaia em uma carta ao amigo Francisco Tommasini, médico que havia conhecido em São Paulo. Referindo-se ao artigo de jornal que Tommasini lhe enviara, escreve: "Aquele senhor que o escreveu tem razão, mas errou em repetir duas vezes pateada (vaia)". Teria sido apenas uma, diante da recusa do tenor de fazer o bis em italiano.
Quanto à banana, só um jornal fez uma menção velada a algum tipo de reação mal-educada de Caruso. "O público (...) vira, no meio de grande ruído, uma cena truncada por um gesto menos delicado", diz o crítico, enquanto outros dois jornalistas presentes passam ao largo do incidente. Böhm duvida. "Isso na época seria extremamente chocante."
Amante da ópera, o biógrafo de Caruso não se restringe a falar do tenor, mas também de seus contemporâneos e da cena musical do período. Aparece ainda outra faceta do tenor, a de caricaturista. Como trilha sonora, acompanham o livro dois CDs com gravações originais de Enrico Caruso.


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