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BIOGRAFIA
Gaúcho iniciou pesquisa para livro depois de ganhar fortuna em "O Céu É o Limite" com pergunta sobre o músico
Médico faz análise do tenor Enrico Caruso
CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um dos personagens centrais
do filme "Magnolia", de Paul
Thomas Anderson, é um ex-campeão infantil desses programas na
TV de perguntas e respostas que
não consegue superar o fato de ter
deixado de ser uma personalidade para se transformar em um cidadão comum na idade adulta.
Aos 21 anos, o gaúcho (de origem húngara) Giörgy Miklós
Böhm venceu, na extinta TV Tupi, em 1958, o legendário programa "O Céu É o Limite", respondendo sobre o tenor italiano Enrico Caruso. Ganhou Cr$ 1,5 milhão, uma fortuna para a época, e
parecia trilhar o mesmo caminho
do personagem do filme em direção ao anonimato -embora não
com o mesmo destino dramático.
Böhm seguiu a carreira de medicina e se realizou: se tornou professor de patologia da USP e chegou a dirigir a fundação de apoio
ao Hospital das Clínicas por nove
anos. Caruso, porém, nunca lhe
saiu da cabeça. Nos últimos 40
anos, cada viagem ao exterior que
fez, a trabalho ou em férias, foi
aproveitada para recolher e catalogar dados sobre o tenor.
Como se um novo "O Céu É o
Limite" o estivesse aguardando, o
patologista foi juntando e cruzando informações, em documentos,
cartas, depoimentos e livros, até
chegar ao que considera, apesar
do título específico (e sem falsa
modéstia), uma biografia completa do mais famoso tenor de todos os tempos: o livro "Enrico Caruso na América do Sul".
"É uma obra de uma vida inteira", diz Böhm, 64, sem planos de
outras incursões literárias.
Em mais de 500 páginas, o médico acompanha o tenor desde o
início da carreira, na Itália natal,
até o apogeu, em Nova York,
quando faria nada menos que 16
aberturas de temporada no Metropolitan, entre 1903 e 1920. Morreria no ano seguinte, aos 48 anos,
vitimado por complicações decorrentes de uma infecção pulmonar. O grande tenor fumava
dois maços de cigarro por dia.
A importância da América do
Sul em sua carreira aparece, sobretudo, em Buenos Aires. A capital argentina foi a terceira cidade do mundo, depois de Nova
York e Londres, onde Caruso
mais cantou: foram 151 apresentações. "Mas Buenos Aires leva
vantagem em relação às outras
duas e em relação até mesmo às
cidades italianas", diz o autor.
"Os argentinos assistem a um
cantor em início de carreira, aos
26 anos, como a Itália, só que lá
não vêem o produto maduro. Já
com relação a Nova York e Londres, Buenos Aires leva a vantagem de ter esperado 12 anos para
revê-lo, e os críticos podem perceber melhor as mudanças."
Um dos diferenciais de seu livro
em relação às muitas obras sobre
Caruso -constam 32 na bibliografia- é justamente a extensa
pesquisa que fez nos jornais da
época, nas cidades por onde o tenor passou. "Faço um trabalho
baseado nos críticos", diz Böhm.
No Rio, Caruso se apresentaria
21 vezes. Em São Paulo, a apresentação da ópera "Manon", de Massenet, no Teatro Municipal, a última de sua única temporada na cidade, em 1917, ficou dominada
pela lenda. O tenor, inconformado com as vaias, teria revidado, à
João Gilberto, com uma banana à
platéia. "Verdade ou mentira?",
pergunta Giörgy Böhm no livro.
Caruso reconhece a vaia em
uma carta ao amigo Francisco
Tommasini, médico que havia conhecido em São Paulo. Referindo-se ao artigo de jornal que Tommasini lhe enviara, escreve:
"Aquele senhor que o escreveu
tem razão, mas errou em repetir
duas vezes pateada (vaia)". Teria
sido apenas uma, diante da recusa
do tenor de fazer o bis em italiano.
Quanto à banana, só um jornal
fez uma menção velada a algum
tipo de reação mal-educada de
Caruso. "O público (...) vira, no
meio de grande ruído, uma cena
truncada por um gesto menos delicado", diz o crítico, enquanto
outros dois jornalistas presentes
passam ao largo do incidente.
Böhm duvida. "Isso na época seria extremamente chocante."
Amante da ópera, o biógrafo de
Caruso não se restringe a falar do
tenor, mas também de seus contemporâneos e da cena musical
do período. Aparece ainda outra
faceta do tenor, a de caricaturista.
Como trilha sonora, acompanham o livro dois CDs com gravações originais de Enrico Caruso.
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