São Paulo, sexta, 6 de março de 1998

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EM CARTAZ
"Titanic" acrescenta um "happy end" à catástrofe

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

"Titanic" ultrapassa a marca de US$ 1 bilhão deixados na bilheteria. É o primeiro a conseguir esse feito. "Guiness Book - O Livro dos Recordes" nele!
E, detalhe, o filme estréia só essa semana na China e Índia, os dois países mais populosos do planeta. Já se escuta o tilintar das roleta$$$.
Muitos podem afirmar que já esperavam por isso. Afinal, trata-se do mais caro filme já produzido por Hollywood (US$ 200 milhões). Mas a verdade é que ninguém podia prever. O fracasso está a um degrau de distância do sucesso. São vizinhos, íntimos e vivem em simbiose.
Exemplos não faltam de superproduções que micaram, sem choro nem vela, a contar "Cleópatra", "Os Eleitos" e o último detentor do recorde de produção mais cara, "Waterworld".
Agora que os números provam a aceitação de "Titanic", é fácil inclinar a cadeira e lustrar o teclado. Deu certo por isso e aquilo.
Muitos se perguntavam, antes da estréia, qual solução seria dada a um enredo cujo final trágico era notório, num investimento cuja maior exigência para o retorno é a existência de um "happy end".
Simples. Antes da catástrofe, havia um parêntese, uma história de amor cujo final era feliz: a mocinha rica fica com o mocinho pobre, apesar dos abismos.
Mais banal ainda. O mocinho pobre, lindão, artista de talento, traz para seus projetos e para o leito do amor a mocinha rica, lindona, temperamental e culta.
Tal "affaire", cuja situação limite começa num "se você se jogar deste navio eu também me jogo", é bem raro nos dias de hoje. É um amor dos livros da vovó. É um amor que a maioria sonha viver.
Alguns velhacos sabem que isso não existe. Mas como provar aos adolescentes? E um dos fatores que fazem os produtores faturarem é que muitos adolescentes assistem ao filme mais de uma vez.
Outro dado pertinente. Além do tom amargo da vitória da natureza sobre o revolucionário industrial, o filme resgata o último respiro do império britânico -imagine se o Titanic tivesse zarpado de Nova York e fosse norte-americano...
Inglês era do mal. Era arrogante e monarquista; a única passageira que apoiava o inesperado "affaire" da rica e do proleta era americana.
Na arrogância de um império terminal, os construtores do símbolo de domínio tecnológico se esqueceram de colocar botes para nós, platéia, cidadãos de terceira classe, imigrantes que queriam trabalhar na terra das oportunidades. Tal arrogância deu com os burros num pedregulho de gelo. Titanic foi a pique e a corte democrata condenou os tiranos, exigiu botes para todas as classes e respeito aos cidadãos dos porões. Uma vitória da democracia.
"Titanic" é bom. Eu, que sou muito homem, chorei pigarrinhos. E me deu sussurros de esperança: talvez eu encontre, ainda, uma mulher como aquela.



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