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Clichês do carioquismo
especial para a Folha
O filme se chamava originalmente "Como Ser Solteiro no Rio
de Janeiro". Por injunções certamente comerciais, a cidade foi suprimida do título. Mas assim como, por exemplo, "Areias Escaldantes" não se perpetuou como
"Areias Escaldantes do Rio de Janeiro", este "Como Ser" busca êxito agora no circuito nacional escondendo do título o que exala em
seu negativo -a cidade.
Tudo é voluntariamente explícito. O filme já abre com uma capoeira-exaltação falando que o
"Rio é a minha cara" etc.; viaja por
diversas locações-cartões-postais
(talvez só tenham ficado de fora o
Santos Dumont, a Vista Chinesa e
o bar Sobrenatural).
Além disso, personalidades cariocas fazem pontas no filme, modificando em nada a trama (mas,
ressalve-se, ensejando a abertura
de sessões "saiba quem fez ponta
no filme" nos jornais de grande
circulação do Rio).
Temos uma enxurrada de gags
periféricas. Vemos a propaganda
televisiva da protagonista Julia,
candidata a vereador, e em seguida de outros dois candidatos, e a
piada aí é com a repetição dos algarismos de seus números eleitorais.
Formalmente, há a imagem de
um melão à venda numa feira que
se funde grosseiramente com o
Sol. Como recurso cinematográfico, talvez só apareça o enquadramento de torsos nus, sem cabeças
(sugestão do "physique du rôle carioque"?).
Postos tais elementos, é o caso
de se perguntar: isso é cinema?
A trama até que segue bom curso, com o casal protagonista Claudio e Monica encenando um final
feliz.
Utiliza-se de personagens toscamente construídos (roubada e
traída no mesmo dia, Júlia decide
virar sapatão e feminista; a professorinha infantil e mística se harmoniza com o cosmos no dia em
que finalmente tira o atraso...).
E, no final, tem uma recaída
conservadoríssima -o casamento e a paternidade como valores
mais legais que a galinhagem. Mas
ao menos, e isso não é coisa de somenos, isenta de maiores culpas
Ricardo, o solteirão-professor do
título.
Abundam os arquétipos: Ricardo (Ricardo!) atende ao telefone se
livrando de uma calcinha enroscada no fio. O filme preferido de
Claudio é "Sonhos de um Sedutor"; de Monica, "Ghost"; há também homenagens (alguém diz: "só
não comeu tanta mulher quanto o
Renato Gaúcho").
A diretora diz celebrar o espírito
carioca: para isso montou sua
equipe com antigos colaboradores
de seus curtas-metragens e inseriu
os tais figurantes (Fernando Gabeira, Gerald Thomas, Pedro Bial,
Bussunda, Barrão, Isabel do vôlei,
Planet Hemp, Luiza Parente,
Funk"n"Lata, o vocalista do Cidade
Negra) para não ter função dramática alguma, apenas publicitária -quem sabe cenográfica.
Parece que fez bem. Agir consoante o "espírito carioca" pode
estar a fundar um novo e bem-sucedido filão. No Rio, "Como Ser
Solteiro" estreou em grande circuito (16 salas) e já arrebanhou 130
mil espectadores.
Com os instrumentos de captação de recursos usados, o filme está bem próximo do azul, buscando
quitar agora o custo de distribuição. Talvez nem precisasse estrear
em cinco salas em São Paulo.
Quem sabe seja isso, no fim das
contas, o que importa.
(PV)
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