São Paulo, sexta, 6 de março de 1998

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Clichês do carioquismo

especial para a Folha

O filme se chamava originalmente "Como Ser Solteiro no Rio de Janeiro". Por injunções certamente comerciais, a cidade foi suprimida do título. Mas assim como, por exemplo, "Areias Escaldantes" não se perpetuou como "Areias Escaldantes do Rio de Janeiro", este "Como Ser" busca êxito agora no circuito nacional escondendo do título o que exala em seu negativo -a cidade.
Tudo é voluntariamente explícito. O filme já abre com uma capoeira-exaltação falando que o "Rio é a minha cara" etc.; viaja por diversas locações-cartões-postais (talvez só tenham ficado de fora o Santos Dumont, a Vista Chinesa e o bar Sobrenatural).
Além disso, personalidades cariocas fazem pontas no filme, modificando em nada a trama (mas, ressalve-se, ensejando a abertura de sessões "saiba quem fez ponta no filme" nos jornais de grande circulação do Rio).
Temos uma enxurrada de gags periféricas. Vemos a propaganda televisiva da protagonista Julia, candidata a vereador, e em seguida de outros dois candidatos, e a piada aí é com a repetição dos algarismos de seus números eleitorais.
Formalmente, há a imagem de um melão à venda numa feira que se funde grosseiramente com o Sol. Como recurso cinematográfico, talvez só apareça o enquadramento de torsos nus, sem cabeças (sugestão do "physique du rôle carioque"?).
Postos tais elementos, é o caso de se perguntar: isso é cinema?
A trama até que segue bom curso, com o casal protagonista Claudio e Monica encenando um final feliz.
Utiliza-se de personagens toscamente construídos (roubada e traída no mesmo dia, Júlia decide virar sapatão e feminista; a professorinha infantil e mística se harmoniza com o cosmos no dia em que finalmente tira o atraso...).
E, no final, tem uma recaída conservadoríssima -o casamento e a paternidade como valores mais legais que a galinhagem. Mas ao menos, e isso não é coisa de somenos, isenta de maiores culpas Ricardo, o solteirão-professor do título.
Abundam os arquétipos: Ricardo (Ricardo!) atende ao telefone se livrando de uma calcinha enroscada no fio. O filme preferido de Claudio é "Sonhos de um Sedutor"; de Monica, "Ghost"; há também homenagens (alguém diz: "só não comeu tanta mulher quanto o Renato Gaúcho").
A diretora diz celebrar o espírito carioca: para isso montou sua equipe com antigos colaboradores de seus curtas-metragens e inseriu os tais figurantes (Fernando Gabeira, Gerald Thomas, Pedro Bial, Bussunda, Barrão, Isabel do vôlei, Planet Hemp, Luiza Parente, Funk"n"Lata, o vocalista do Cidade Negra) para não ter função dramática alguma, apenas publicitária -quem sabe cenográfica.
Parece que fez bem. Agir consoante o "espírito carioca" pode estar a fundar um novo e bem-sucedido filão. No Rio, "Como Ser Solteiro" estreou em grande circuito (16 salas) e já arrebanhou 130 mil espectadores.
Com os instrumentos de captação de recursos usados, o filme está bem próximo do azul, buscando quitar agora o custo de distribuição. Talvez nem precisasse estrear em cinco salas em São Paulo. Quem sabe seja isso, no fim das contas, o que importa. (PV)


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