São Paulo, sexta, 6 de março de 1998

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Rio e São Paulo, rivalidade também nas telas

da Redação

Ninguém imagina que Luís Sérgio Person trocasse o nome de "São Paulo S/A" por "S/A", simplesmente, ou que, em vez de "Alemanha, Ano Zero", Rossellini se contentasse com um vago "Ano Zero". Mas foi isso que aconteceu com o sugestivo título "Como Ser Solteiro no Rio de Janeiro", amputado de sua parte a partir do momento em que a produção passou a temer que o nome da cidade viesse a caracterizar o filme como "carioca".
Resultado: o filme ficou com um nome perneta, sem que por isso tivesse se tornado menos "do Rio de Janeiro". Aliás, se existe uma virtude no filme é a de ajudar a ressurreição da comédia carioca -essa tradição nacional.
O mais absurdo é que, se o resultado é um completo "non sense", a preocupação dos produtores não é. Certos filmes caracterizados como paulistas, como "Festa", de Ugo Giorgetti, fracassaram em todo o país (exceto São Paulo). O gaúcho "Anahy de las Missiones" capengou pelo Brasil afora por ser visto como gaúcho.
É verdade que alguns filmes escapam à maldição regional, de "Carlota Joaquina" a "Guerra dos Canudos". Geralmente, são filmes com temas históricos, que sobrevivem ao bairrismo. É possível também lembrar de "Pequeno Dicionário Amoroso", uma comédia ambientada no Rio, mas não caracteristicamente carioca (como são "Como Ser Solteiro" ou os filmes de Hugo Carvana).
É possível que o Brasil sofra de intolerância regional. Ou que as novelas tenham imposto ao longo do tempo uma representação a tal ponto aplainada das características regionais que hoje já temos dificuldade de reconhecer o Rio em "Como Ser Solteiro", o Nordeste em "Baile Perfumado", ou o Sul em "Anahy de las Missiones".
Ao mesmo tempo, uma grande parcela do público não parece dar a mínima para o sotaque "fake" de "O Quatrilho", nem esperou a indicação ao Oscar para transformá-lo em sucesso nacional.
Antes de apedrejar a Rede Globo pela pasteurização de nossas diferenças internas, será preciso admitir que esse canal fez o possível para que os brasileiros se reconhecessem uns aos outros, justamente graças a essa pasteurização.
Mas cinema é outra coisa. Em geral vamos ver filmes para conhecer paisagens e modos de ser diferentes. O espantoso não é que o Irã ou Taiwan se destaquem internacionalmente. Espantoso seria se um filme de Abbas Kiarostami, por exemplo, nos remetesse a Paris ou Los Angeles.
À parte o cinema americano, que tem plenas condições de viajar a qualquer parte, inclusive à pré-história, os cinemas são mais interessantes quando mais locais.
No caso brasileiro, existe todo interesse em que se volte a criar filmes que expressem modos distintos de estar entre as coisas, falares e gesticulações próprios.
Em cem anos de cinema, o Brasil ainda não possui um repertório de imagens representativo das suas imensas diversidades.
Em compensação, certas rivalidades regionais -como a existente entre Rio e São Paulo- acabam sendo um território fértil para o mútuo não reconhecimento.
Ou, para resumir, paulistas aceitam o modo de vida dos cariocas, sim, desde que eles pareçam paulistas. Cariocas gostam de paulistas, sim, desde que eles pareçam cariocas. Como isso quase nunca acontece, continuam a se ignorar cordialmente e a se detestar a cada final de Campeonato Brasileiro. Mas isso não ajuda muito.
(INÁCIO ARAUJO)



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