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Rio e São Paulo, rivalidade também nas telas
da Redação
Ninguém imagina que Luís Sérgio Person trocasse o nome de
"São Paulo S/A" por "S/A", simplesmente, ou que, em vez de
"Alemanha, Ano Zero", Rossellini
se contentasse com um vago "Ano
Zero". Mas foi isso que aconteceu
com o sugestivo título "Como Ser
Solteiro no Rio de Janeiro", amputado de sua parte a partir do
momento em que a produção passou a temer que o nome da cidade
viesse a caracterizar o filme como
"carioca".
Resultado: o filme ficou com um
nome perneta, sem que por isso tivesse se tornado menos "do Rio
de Janeiro". Aliás, se existe uma
virtude no filme é a de ajudar a
ressurreição da comédia carioca
-essa tradição nacional.
O mais absurdo é que, se o resultado é um completo "non sense",
a preocupação dos produtores não
é. Certos filmes caracterizados como paulistas, como "Festa", de
Ugo Giorgetti, fracassaram em todo o país (exceto São Paulo). O
gaúcho "Anahy de las Missiones"
capengou pelo Brasil afora por ser
visto como gaúcho.
É verdade que alguns filmes escapam à maldição regional, de
"Carlota Joaquina" a "Guerra
dos Canudos". Geralmente, são
filmes com temas históricos, que
sobrevivem ao bairrismo. É possível também lembrar de "Pequeno
Dicionário Amoroso", uma comédia ambientada no Rio, mas não
caracteristicamente carioca (como
são "Como Ser Solteiro" ou os filmes de Hugo Carvana).
É possível que o Brasil sofra de
intolerância regional. Ou que as
novelas tenham imposto ao longo
do tempo uma representação a tal
ponto aplainada das características regionais que hoje já temos dificuldade de reconhecer o Rio em
"Como Ser Solteiro", o Nordeste
em "Baile Perfumado", ou o Sul
em "Anahy de las Missiones".
Ao mesmo tempo, uma grande
parcela do público não parece dar
a mínima para o sotaque "fake"
de "O Quatrilho", nem esperou a
indicação ao Oscar para transformá-lo em sucesso nacional.
Antes de apedrejar a Rede Globo
pela pasteurização de nossas diferenças internas, será preciso admitir que esse canal fez o possível
para que os brasileiros se reconhecessem uns aos outros, justamente
graças a essa pasteurização.
Mas cinema é outra coisa. Em
geral vamos ver filmes para conhecer paisagens e modos de ser
diferentes. O espantoso não é que
o Irã ou Taiwan se destaquem internacionalmente. Espantoso seria
se um filme de Abbas Kiarostami,
por exemplo, nos remetesse a Paris ou Los Angeles.
À parte o cinema americano, que
tem plenas condições de viajar a
qualquer parte, inclusive à
pré-história, os cinemas são mais
interessantes quando mais locais.
No caso brasileiro, existe todo
interesse em que se volte a criar
filmes que expressem modos distintos de estar entre as coisas, falares e gesticulações próprios.
Em cem anos de cinema, o Brasil
ainda não possui um repertório de
imagens representativo das suas
imensas diversidades.
Em compensação, certas rivalidades regionais -como a existente entre Rio e São Paulo- acabam
sendo um território fértil para o
mútuo não reconhecimento.
Ou, para resumir, paulistas aceitam o modo de vida dos cariocas,
sim, desde que eles pareçam paulistas. Cariocas gostam de paulistas, sim, desde que eles pareçam
cariocas. Como isso quase nunca
acontece, continuam a se ignorar
cordialmente e a se detestar a cada
final de Campeonato Brasileiro.
Mas isso não ajuda muito.
(INÁCIO ARAUJO)
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