São Paulo, sexta, 6 de março de 1998

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CINEMA
Jack Nicholson dá show em conto de fadas feito para adultos

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

"Melhor É Impossível" é uma espécie de "Tootsie" do Oscar-97: uma comédia "séria", fundada sobre um ator de prestígio, com um roteiro bem escrito e uma direção estritamente funcional, cuja aspiração máxima é colocar em relevo as virtudes da estrela e do enredo.
Funciona? Funciona. Primeiro, porque a história do escritor anti-social, não raro grosseiro, de certo modo fala a todos nós.
Qualquer pessoa é um pouco (ou muito) autista, bloqueada, incapaz de expressar seus sentimentos. Muitas invertem esses sentimentos, transformando-os em agressividade.
Se isso facilita a identificação do espectador com o filme, o que mais pesa, nesse item, é o vigor das tiradas sarcásticas do escritor.
Do outro lado do balcão estão as vítimas favoritas do escritor: o vizinho homossexual (interpretado pelo ator Greg Kinnear) e a garçonete (Helen Hunt) do restaurante em que almoça e cria caso diariamente.
O que o decorrer do filme nos reserva não é muito inesperado. Em linhas gerais, esse homem turrão vai se revelar um sentimental de bom coração, capaz de criar laços de ternura com a garçonete, o vizinho e até o cachorro do vizinho.
"Passe-partout"
Como Jack Nicholson tem uma interpretação agradabilíssima, "Melhor É Impossível" é o tipo de filme "passe-partout". Quem não conseguir entrar na sala onde passa "Titanic" e for vê-lo não ficará com a sensação de ter perdido o dia (ou a noite).
A questão é: isso basta? Não basta. Não para um filme que concorre ao Oscar, em todo caso.
Conto de fadas
Vamos recorrer a um filme do início dos anos 60, "Bonequinha de Luxo", para efeito de comparação.
Blake Edwards fala ali de um escritor, da impessoalidade das relações na cidade grande, de uma garota fascinada por jóias.
Sente-se a presença de seres humanos, assim como um tom que nos convida a rir do que existe de amargo na vida.
A comparação não é tão arbitrária, já que, embora a história seja bem outra, certos elementos são comuns.
James L. Brooks optou, no entanto, por criar uma espécie de conto de fadas para adultos.
Em vez de personagens, nos dá a ver tipos, meros esboços de seres humanos, que servem a seus propósitos, mas prescindem de uma história pessoal.
Estamos mais próximos de uma comédia sem compromisso, tipo Doris Day de "Confidências à Meia-Noite", do que de um "Bonequinha de Luxo".
Com isso, não é de estranhar que toda a direção tenha como foco os atores e se afirme antes de mais nada como um belo veículo para Jack Nicholson.
Como se prescindisse de imaginação para descrever um mundo, Brooks joga todas as fichas no elenco.
Resulta uma direção quadrada, sem tom, profissional, porém burocrática (o que já era visível em "Laços de Ternura", de 1983, ou "Nos Bastidores da Notícia", de 1987, seus trabalhos mais famosos até aqui).
No geral, o filme cresce cada vez que Nicholson entra em cena. Poderia ser melhor caso a interpretação de Helen Hunt não evocasse tão frequentemente Diane Keaton -a gestualidade facial de Hunt beira o plágio.
"Melhor É Impossível" faz parte dessa categoria de obras que entram por um olho e saem pelo outro. Talvez não seja uma deficiência. Parece mais uma escolha, embora duvidosa.

Filme: Melhor É Impossível Produção: EUA, 1997 Direção: James L. Brooks Com: Jack Nicholson, Helen Hunt, Greg Kinnear, Cuba Gooding Jr. Quando: a partir de hoje, nos cines Belas Artes-Cândido Portinari, Center Iguatemi 2, Center Norte 3 e circuito


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