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Atores salvam "Melhor É Impossível" da pieguice
NINA HORTA
especial para a Folha
Depois que assisti ao filme "Titanic", saí à caça de um filme que
não fosse uma megaprodução e
agradasse em cheio, provando que
nada daquilo tudo era necessário.
Poderia ter encontrado isso em
"Melhor É Impossível", mas ainda
não.
Nova York. Dois vizinhos de andar moram num prédio de tijolinhos escuros no Village.
Um é Melvin Udall (Jack Nicholson), escritor, misantropo, racista, homofóbico, obsessivo compulsivo, com uma língua ferina
que machuca de verdade e vale como uma arma pesada de Tarantino. Politicamente incorreto, como
está na moda.
Todos nós já sentimos aquela
raiva de ranger dentes por burrices que não são as nossas e de imediato nos identificamos com ele,
mas o homem é possuído por todas as implicâncias do mundo, o
tempo todo.
Já começa o filme jogando o cachorro do vizinho pelo condutor
de lixo. O vizinho, Simon (interpretado pelo ator Greg Kinnear), é
um pintor gay e seu marchand de
quadros (Cuba Gooding Jr., que
ganhou o Oscar de melhor ator
coadjuvante no ano passado, por
"Jerry Maguire") é negro. Convenhamos que para o doentio preconceituoso é um excesso.
Rituais
O que o filme transmite de modo
mais para cômico do que doloroso
é o sofrimento atroz que o infeliz
protagonista deve sentir por causa
de seu distúrbio obsessivo compulsivo e dos rituais que é obrigado a cumprir por causa isso.
Uma das manias é tomar café da
manhã diariamente no mesmo
restaurante, servido pela mesma
garçonete e com seus próprios talheres de plástico.
A garçonete escolhida por ele é
Carol (Helen Hunt), nova-iorquina do Brooklyn, muito bem caracterizada como uma lutadora da cidade, uma garçonete com "atitude", mãe também obsessiva de um
garoto asmático que afasta seus
habituais pretendentes.
Nova York está ausente geograficamente, mas inteira presente
como opressora e neurotizante.
Protegidos
Cada porta de apartamento que
se abre mostra um casulo de privacidade, um escudo bem montado contra a cidade e os perigos lá
de fora.
Moram bem. O escritor com
suas pilhas de livros, de discos,
piano, poltrona em frente à TV,
todos os confortos que a cidade
proporciona para o "coccooning",
o enfiar-se num casulo e suportar
ou cevar a solidão.
Até Carol, a garçonete pobre,
pode levar uma vida digna, só não
tem portas divisórias. Tem que
usar cortinas e ficar na fila do
pronto-socorro quando o filho
adoece. De resto...
O pintor mora num belo estúdio
e por cair no pecado de trazer para
dentro de casa um modelo desconhecido é assaltado.
Como precisa ser hospitalizado,
seu cachorro é impingido a Melvin. É então que começa a humanização do patético escritor e também que o filme se salva da pieguice pelos atores. Fossem eles outros
e o filme poderia mudar o nome
para "Por Amor", como a novela
das oito.
Redenção
O gay, o obsessivo e a garçonete
partem para uma metafórica viagem de redenção. É por amor que
Melvin vai se livrar de suas doenças e se empenhar em ajudar vizinho e garçonete.
É por gratidão que a garçonete
reaprende a viver e amar, e é pelo
apoio dos novos amigos que o
pintor redescobre a arte e a alegria
de viver.
Tão bons os atores que os achei
até demais, se é que me entendem,
"as good as it gets", com a técnica
meio exposta surgindo de quando
em quando na tensão exata do
queixo, na careta mais apropriada
para o exato momento. Vai-se um
pouco da espontaneidade.
Enfim, é por amor que a cidade
também se humaniza, com Melvin
passeando com o cachorro numa
tarde luminosa. E é por amor que
a padaria se abre de madrugada
com pães quentes para os namorados confortáveis, confiantes no
futuro, que a nós parece incerto,
de mãos dadas e em chinelos.
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