São Paulo, Sábado, 06 de Março de 1999
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Museu propõe discussão do "cubo branco"

ADRIANO PEDROSA
especial para a Folha

A relação entre arte e arquitetura é complexa e, muitas vezes, problemática. O local privilegiado para observar essa intrincada relação é o da arquitetura de museus.
O modelo modernista da arquitetura de espaços para exposição é o "cubo branco". Trata-se de oferecer à arte um pano de fundo isento-limpo, branco, livre de excessos, ornamentos e efeitos.
No entanto, a própria inserção e suposta abstinência estilísticas na arquitetura acabam por construir um forte discurso e uma ideologia que, por mais que tenhamos nos acostumado com a noção modernista de "pureza", contamina tanto a arquitetura quanto a arte. Hoje, admite-se que há uma grande dose de autoritarismo na disciplina modernista do design. A isenção, pura e simples, é inatingível.
O museu Guggenheim Bilbao, de Frank O. Gehry, encontra-se na contramão do modelo modernista da arquitetura de museus.
O Guggenheim Bilbao é a obra mais impressionante que vi nos últimos tempos. O nível de complexidade e intrincamento do museu é surpreendente-materiais, engenharia, tecnologia, mas sobretudo vistas, proporções e espaços.
Gehry trabalhou com a noção de "arquitetura escultórica", embora o termo não dê conta do que se vê em Bilbao.
É evidente que as imagens que conhecemos da flor metálica à beira do rio têm fortes características escultóricas, num sentido mais tradicional, pois hoje pouquíssimos artistas de fato "esculpem".
Porém o que é excepcional nesse museu são seus interiores, a riqueza e variedade dos eixos de visão, algo que nenhuma reprodução fotográfica pode dar conta.
Todo esse virtuosismo compete impiedosamente com a arte que o museu abriga, frequentemente com grande vantagem sobre ela.
Em minha visita ao museu, a todo tempo cruzava com espectadores apreciando os detalhes e sutilezas da obra de Gehry e ignorando o que estava pendurado em suas paredes. Nem a retrospectiva de Robert Rauschenberg foi poupada.
Porém nem tudo é drama e virtuosismo em Bilbao. Como no outro Guggenheim (o de Nova York, de Frank Lloyd Wright, com sua monumental galeria em espiral) há um conjunto de galerias mais bem comportadas, pequenos cubos brancos em anexo, para enquadrar telas de todos os tipos.
Ainda que alguns de meus colegas curadores torçam o nariz para uma moldura tão ornamentada como a que Gehry desenhou para a arte, Bilbao não serve de argumento para um retorno ao cubo branco como modelo ideal de arquitetura de museus.
A arte contemporânea busca muitas vezes um diálogo com o espaço expositivo, e os artistas desenvolvem trabalhos "site specific", que levam em consideração as características (espaciais ou ideológicas, formais ou temáticas) do local, como fazem os americanos Richard Serra e Jenny Holzer, os pontos altos do museu.
A obra de Gehry é belíssima e impõe desafios a curadores e artistas, e me lembrou a terrível competição entre arte e natureza que se vê no MAM do Rio, localizado num dos pontos mais maravilhosos da cidade.


Adriano Pedrosa é artista plástico, crítico de arte e foi curador-adjunto da 24ª edição da Bienal de São Paulo, em 1998.


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