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Museu propõe discussão do "cubo branco"
ADRIANO PEDROSA
especial para a Folha
A relação entre arte e arquitetura
é complexa e, muitas vezes, problemática. O local privilegiado para observar essa intrincada relação
é o da arquitetura de museus.
O modelo modernista da arquitetura de espaços para exposição é
o "cubo branco". Trata-se de oferecer à arte um pano de fundo
isento-limpo, branco, livre de excessos, ornamentos e efeitos.
No entanto, a própria inserção e
suposta abstinência estilísticas na
arquitetura acabam por construir
um forte discurso e uma ideologia
que, por mais que tenhamos nos
acostumado com a noção modernista de "pureza", contamina tanto a arquitetura quanto a arte. Hoje, admite-se que há uma grande
dose de autoritarismo na disciplina modernista do design. A isenção, pura e simples, é inatingível.
O museu Guggenheim Bilbao, de
Frank O. Gehry, encontra-se na
contramão do modelo modernista
da arquitetura de museus.
O Guggenheim Bilbao é a obra
mais impressionante que vi nos últimos tempos. O nível de complexidade e intrincamento do museu
é surpreendente-materiais, engenharia, tecnologia, mas sobretudo vistas, proporções e espaços.
Gehry trabalhou com a noção de
"arquitetura escultórica", embora
o termo não dê conta do que se vê
em Bilbao.
É evidente que as imagens que
conhecemos da flor metálica à beira do rio têm fortes características
escultóricas, num sentido mais
tradicional, pois hoje pouquíssimos artistas de fato "esculpem".
Porém o que é excepcional nesse
museu são seus interiores, a riqueza e variedade dos eixos de visão,
algo que nenhuma reprodução fotográfica pode dar conta.
Todo esse virtuosismo compete
impiedosamente com a arte que o
museu abriga, frequentemente
com grande vantagem sobre ela.
Em minha visita ao museu, a todo tempo cruzava com espectadores apreciando os detalhes e sutilezas da obra de Gehry e ignorando o
que estava pendurado em suas paredes. Nem a retrospectiva de Robert Rauschenberg foi poupada.
Porém nem tudo é drama e virtuosismo em Bilbao. Como no outro Guggenheim (o de Nova York,
de Frank Lloyd Wright, com sua
monumental galeria em espiral) há
um conjunto de galerias mais bem
comportadas, pequenos cubos
brancos em anexo, para enquadrar
telas de todos os tipos.
Ainda que alguns de meus colegas curadores torçam o nariz para
uma moldura tão ornamentada
como a que Gehry desenhou para a
arte, Bilbao não serve de argumento para um retorno ao cubo branco
como modelo ideal de arquitetura
de museus.
A arte contemporânea busca
muitas vezes um diálogo com o espaço expositivo, e os artistas desenvolvem trabalhos "site specific", que levam em consideração as
características (espaciais ou ideológicas, formais ou temáticas) do
local, como fazem os americanos
Richard Serra e Jenny Holzer, os
pontos altos do museu.
A obra de Gehry é belíssima e impõe desafios a curadores e artistas,
e me lembrou a terrível competição entre arte e natureza que se vê
no MAM do Rio, localizado num
dos pontos mais maravilhosos da
cidade.
Adriano Pedrosa é artista plástico, crítico de arte e foi curador-adjunto da 24ª edição da Bienal
de São Paulo, em 1998.
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