São Paulo, Sábado, 06 de Março de 1999
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POLÊMICA
O psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg acredita que o escritor tenha sido assassinado pela Gestapo; biógrafos continuam a crer no suicídio
Controvérsia sobre morte de Zweig é reaberta

ANA FRANCISCA PONZIO
especial para a Folha

Stefan Zweig, o escritor que em 1901, aos 20 anos, já era celebrado como um dos mais promissores talentos da literatura de língua alemã, continua monopolizando asatenções na virada de mais um século.
Com o lançamento de seis livros a partir de novembro deste ano pela editora Record, que acaba de publicar uma biografia sobre Zweig assinada pela francesa Dominique Bona, o autor de obras-primas como "A Partida de Xadrez" volta a marcar presença no mercado editorial brasileiro.
Paralelamente à redescoberta da obra de Zweig, que vem ocorrendo também na Europa, renasce no Brasil a polêmica em torno de sua morte, ocorrida em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 22 de fevereiro de 1942.
Tão enigmática quanto os destinos que conseguia forjar para seus personagens, a morte de Zweig deixou um lastro inesgotável de suposições.
Cuidadosamente vestido (com gravata inclusive), Zweig foi encontrado morto na cama, ao lado de sua segunda mulher, Elisabeth Charlotte Altmann (Lotte), ex-secretária do escritor, com a qual ele havia se casado em 1939.
Segundo se concluiu na época, o casal praticou o suicídio, primeiro Zweig, depois Lotte, consumando um pacto macabro cujas razões estariam vinculadas ao desgosto suscitado pela ascensão do nazismo na Europa.
Fato indubitável para amigos brasileiros e europeus de Zweig, o suicídio do casal também tornou-se versão corrente nas biografias do escritor.
Para o jornalista Alberto Dines, que está reescrevendo "Morte no Paraíso", obra biográfica publicada em 1981 e que será relançada em breve, as 13 cartas de despedida deixadas pelo escritor comprovam sua intenção de se matar.
Mesma certeza tem o cineasta Sylvio Back, que começa a rodar em agosto o filme "Lost Zweig" - uma ficção sobre a última semana de vida de Zweig que, nas telas, concretizará o encontro nunca ocorrido entre ele e Orson Welles.
Entretanto, no atual "revival" de Zweig há uma voz dissonante. Convencido do assassinato do escritor pela Gestapo, a polícia secreta nazista, o advogado e psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg enviou requerimento à delegacia de polícia de Petrópolis, em novembro passado, solicitando o desarquivamento do inquérito policial sobre a morte de Zweig.
Para Alberto Dines, colunista da Folha, que em "Morte no Paraíso" reconstitui as circunstâncias da morte de Zweig a partir de pesquisas minuciosas, Goldberg quer apenas se autopromover.
"Goldberg é um picareta, que está se baseando em frases soltas sem ter feito uma investigação exaustiva", diz Dines.
"Que prejuízo haverá para a história cultural do Brasil se houver uma reabertura de inquérito para o esclarecimento de dúvidas sobre a morte de Zweig?", rebate Goldberg.
Para sustentar sua tese de assassinato, que ele deve apresentar em abril, no 9º Congresso Mundial sobre a América Latina, organizado pela Universidade de Tel-Aviv, Israel, Goldberg vem trabalhando com uma equipe da qual fazem parte o psiquiatra Silvio Saidemberg e o professor de farmacologia e toxicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, dr. Lamir Sagrado David.
"Um dos objetivos da Gestapo era a destruição dos cérebros pensantes judeus no mundo inteiro", diz Goldberg. "Zweig pode ter sido induzido a se matar."
"Na bibliografia universal sobre o suicídio não existe uma situação em que o indivíduo fala na primeira pessoa do singular, quando se mata acompanhado. Zweig se despede em suas cartas sem usar o termo nós. Afinal, ele tomou a decisão junto com Lotte? Tudo isso é um conto de horror, que precisa ser esclarecido", afirma o psicanalista.


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