São Paulo, quinta-feira, 06 de abril de 2000


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VIRGÍNIA RODRIGUES
O álbum que Caetano não quis fazer sozinho

da Reportagem Local


A bela cantora Virgínia Rodrigues lança "Nós", estimulando a pergunta: quem são "nós"?
Aí há o diálogo. Em texto promocional, diz o diretor artístico do trabalho: "Este segundo disco de Virgínia Rodrigues é o resultado do seu atendimento a um pedido meu: eu queria ouvi-la cantar alguns dos cantos de rua dos blocos afro do Carnaval baiano". O diretor artístico do trabalho se chama Caetano Veloso.
Virgínia responde, na dedicatória do encarte: "Agradeço a Deus e aos orixás por este diamante da música popular brasileira a quem dedico este disco que é nada mais que uma de suas obras".
Bem, "nós" são Virgínia e Caetano. Este é o novo disco de Caetano, que ele não quis ou não pôde ou não teve coragem de fazer sozinho.
Quem lança o disco é a Natasha Records, gravadora da mulher do diretor artístico, Paula Lavigne -saiu em fevereiro no exterior, com sucesso, e o lançamento nacional acontece agora (justamente quando Virgínia está em turnê nos Estados Unidos, por quê?).
Como se vê, há uma série de paradoxos regendo a carreira de Virgínia e este "Nós". Descoberta e apadrinhada por Caetano, ela estreou com "Sol Negro" (97), que a inscrevia no rol da nobreza negra da MPB.
O brutalizado público daqui não se impressionou. Estaria o público brasileiro despreparado para tão legítima brasilidade?
Na volta, o caminho de identidade nacional é reduzido para a Bahia, em releituras tristonhas dos temas de blocos afro.
O diretor artístico explica no texto promocional que a artista queria fazer outro disco, com "as canções mais bonitas que se possa imaginar", mas "esse sonho deverá alimentar o repertório e o estilo do disco que fará mais adiante".
O sonho de agora -meio fora do controle de Virgínia, pelo que eles mesmos dizem- foi feito, parece, para a primazia extrabrasileira -ela nem sequer está aqui fisicamente. Nos EUA e na Europa, a cantora só recolhe louvores.
Habitada por seu benfeitor, Virgínia continua exilada de seu país.
E o que se faz para que a Bahia saia dela própria e ganhe o mundão velho sem porteira? Bem, na coleção de 12 temas carnavalescos entristecidos por Virgínia sobra a velha nobreza negra baiana, bastante combalida nos últimos anos pelas vertentes populistas do axé.
É justamente a internacionalização que os prejudica. Os arranjos procuram um efeito híbrido, que mantenha a percussão de bloco e salpicos de samba, mas se invadem de cafonice em flautas, violinos e garrafas meio new age, meio música de elevador. A voz épica, soberana, os resgata e os enche de ar, mas os paradoxos sublinham a tensão.
E o paradoxo se resolve em inconstância. Virgínia, a este ponto, não é popular nem sofisticada, brasileira nem estrangeira, brega nem chique. E não está, como supunha o tropicalismo, dissolvendo o maniqueísmo de tais pares.
A grande cantora não parece estar se expressando livremente, e a consequência não é leve para ninguém, em terra de brasileiros-estrangeiros. (PAS)


Avaliação:   



Disco: Nós Artista: Virgínia Rodrigues Lançamento: Natasha Quanto: R$ 20, em média


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