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TELEVISÃO
Jovens professores de filosofia estão ilustrando suas aulas com lições extraídas do seriado americano
"Seinfeld" é tema de ensaios filosóficos
JAMES NESTOR
da "Salon"
O norte-americano médio cresce assistindo quatro horas de televisão por dia. Para as pessoas da
casa dos 30 anos cujos pais não
"mataram" seus televisores,
"Happy Days" fez mais do que
Freud quanto às percepções que
eles têm sobre famílias.
Assim, seria elitista dizer que
Freud merece atenção acadêmica
e "Happy Days" não? Sim, de
acordo com um punhado de jovens professores de filosofia também filhotes da TV, agora crescidos e se infiltrando nos sagrados
corredores da Academia.
Agora, eles estão ilustrando
suas aulas de filosofia com lições
extraídas de "Seinfeld". A ironia é
que os escritores da série eram
orientados por dois princípios:
nada de abraços e nada de aprendizado.
William Irwin, 29, apaixonado
por charutos cubanos e por camisas bufantes, é professor-assistente de filosofia no King's College,
na Pensilvânia, e publicou "Seinfeld and Philosophy: A Book
About Everything and Nothing"
("Seinfeld e a Filosofia: Um Livro
sobre Tudo e Nada"), em outubro
de 1999. Essa coleção de ensaios
de professores de filosofia mata
dois coelhos pós-modernos com
uma só cajadada: tanto ocupa a
incômoda brecha que existe entre
as comédias de televisão e o existencialista Soren Kierkegaard
quanto mastiga 2.000 anos de filósofos barbudos para transformá-los em sujeitos contemporâneos,
cheios de sacadas curtas em benefício do estudante moderno.
Irwin diz que da mesma maneira que Sócrates queria mobilizar
as massas, "Seinfeld" pode explicar coisas às pessoas porque desnuda os seus personagens até que
se reduzam a egos narcisistas puros. Por exemplo, o episódio final,
"O Bom Samaritano", em que o
grupo é acusado de não ajudar
uma vítima de roubo de carro,
exibe a humanidade sob os seus
piores aspectos.
Robert Thompson, professor da
Universidade de Syracuse, fundou o Centro de Estudo da Televisão Popular depois de se perguntar "por que pessoas inteligentes
assistem a programas estúpidos
de TV?". "A última esperança das
artes liberais é usar a TV", diz ele.
"Por muitos anos, os métodos
tradicionais de ensino das humanidades vêm perdendo terreno. A
televisão dá aos estudantes algo
com que se identificar, um ponto
de referência a partir do qual podem ganhar acesso a Kant, Sartre
e Heidegger."
Mas isso não quer dizer que um
curso chamado "Introdução a
Seinfeld" constará dos currículos
de filosofia no próximo ano letivo. O estudo de Seinfeld é uma
moda nascente, não uma disciplina em flor. O livro surgiu quando
Irwin percebeu que ele e seus colegas professores estavam todos
se referindo ao programa nas salas de aula. O trabalho é composto
de ensaios como "Wittgenstein e
Seinfeld sobre o lugar-comum" e
"Elaine Benes: Ícone Feminista
Ou Mais um Garoto da Turma?".
Ler o livro causa uma sensação
parecida com a de um adulto dirigindo um Miata com a capota recolhida, emborcando uma [água
mineral" Mountain Dew e acompanhando com gritos em falsete
uma das canções de Alanis Morrissette. O livro é engraçado, imprevisível e esquisito. Os ensaístas
são todos viciados em Seinfeld
que têm os 169 episódios da série
em vídeo, organizados por ordem
cronológica, e usam gírias só familiares aos iniciados como "Nada de sopa para você!" ou "Eu sou
o mestre do meu domínio!".
O texto traça paralelos entre os
quatro personagens principais e
suas contrapartes filosóficas:
quando George decide que todas
as decisões que tomou na vida foram erradas, e portanto ele deveria fazer sempre o contrário do
que dita seu instinto, um escritor
o compara ao paradigma aristotélico dos "muitos". George incorpora as deficiências de muitas
pessoas em um único corpo, diz o
autor, e assim ilustra as encruzilhadas e os caminhos que não se
deve tomar ao longo de uma estrada pessoal.
Às vezes as analogias são absolutamente fúteis, e um dos autores dá uma séria mancada. Em
"Kramer e Kierkegaard: Estágios
no Percurso da Vida", Irwin escreve: "Pensem no boicote de
Kramer ao Kenny Rogers Roasters. Sua motivação não envolve
princípios, mas uma questão prática: o brilho do sinal de neon da
loja o perturba quando ele tenta
dormir. Quando Jerry troca de
apartamento com ele, Kramer cede à tentação de Newman e começa a jantar no restaurante". O
ponto do artigo é que inicialmente parece que Kramer está flertando com a ética, e que Kierkegaard
propôs diversos estágios de existência, mas é um paralelo tolo.
Depois de ler que até mesmo o
título da série oferece uma afinidade etimológica para com "O
Ser e o Tempo", do filósofo existencialista alemão Martin Heidegger, dá para imaginar que
"Seinfeld and Philosophy" seja
apenas um truque elaborado,
uma maneira de aproveitar uma
série de televisão com grande
apelo popular para promover as
vendas de um livro. Que maneira
melhor de promover uma carreira do que fazer barulho e transformar em dissertação as horas
gastas em lazer? Como Kenny
Kramer, o homem real em quem
o personagem de televisão supostamente foi baseado, diz na
capa do livro: "Eu pensava só que
era um programa engraçado".
Ironicamente, Kenny Kramer foi
acusado de tentar aproveitar o
programa para ganhar dinheiro.
Tradução de Paulo Migliacci
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