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Nossos erros comem a Amazônia pelas beiradas
FERNANDO GABEIRA
colunista da Folha
No início da década de 90,
Jorge Araújo e eu partíamos
todas as manhãs de Porto Velho (RO) e documentávamos
as queimadas e tudo o que representavam.
Naquela experiência, que resultou numa série de reportagens, tinha uma impressão de
que as novas queimadas iam
se suceder, mas buscaríamos
uma solução para elas.
Não contava com fator fundamental: a vulnerabilidade
da mata ia aumentar com a
exploração da Amazônia, que
está sendo comida pelas beiradas. Os pedaços de árvores, folhas mortas, galhos que vão ficando no rastro da atividade
madeireira vão abrindo flancos para novos incêndios.
Confesso que tive uma outra
ilusão em Altamira -a de que
faríamos uma grande frente
dos Povos da Floresta e que,
apoiados na solidariedade internacional, pudessem ter algum peso no futuro da Amazônia.
As esperanças do encontro de
Altamira não se realizaram,
mas não estão mortas. É preciso apenas encontrar os interlocutores entre as forças políticas
locais e, sobretudo, formular
saídas porque o fato de que a
Amazônia está em perigo é um
lugar-comum.
Subindo a BR-174 rumo à
Venezuela, percorrendo savanas carbonizadas pelo fogo,
constato que os rios quase sumiram nessa seca. O primeiro
grande rio que encontrei, o
Urariquera, formador do Rio
Branco, estava raso, e seu leito
projetava grandes bancos de
areia.
Mais para perto de Santa Helena, rios e igarapés estavam
minguando, numa terra seca
com reses mortas decompondo-se ao sol. Percebo agora a
rapidez do processo de degradação ecológica em confronto
com a lentidão das nossas respostas.
Esqueço o governo nessa história. Refiro-me apenas a intercâmbio de idéias. O que
aconteceu em Roraima deve
estar não em uma simples busca de culpados, mas numa
agenda. Essa agenda, se tiver
respaldo social, pode ser imposta aos políticos.
Uma visão de distribuição de
terras está em choque com o
meio ambiente, e o diálogo
dessas duas variáveis tem que
começar a ser feito em toda a
parte, principalmente no poder.
Outra questão é qual política
se adotar com as queimadas.
Argumenta-se que é cultural, e
os próprios colonos dizem: "Se
não queimar, não planto. Se
não plantar, não como". Muitos hábitos culturais podem ser
superados desde que não se reduza sua superação a uma tática pedagógica, a uma pura
educação ambiental.
Buscar alternativas práticas
-a mecanização, por exemplo- é o único ambiente onde
uma educação ambiental prosperaria. Quem sabe, garantir
trator para um grupo de famílias, agora que se abriu uma linha de empréstimo solidário,
assumido em conjunto por
quatro ou cinco credores.
Grande urgência que vem da
fumaça: o Brasil precisa se dotar de um serviço nacional de
combate a incêndios florestais.
É um tipo de projeto que, se
bem formulado, pode envolver
a colaboração internacional,
que é extremamente bem-vinda, sobretudo quando a gente
sabe o que quer. Os argentinos
tiveram essa experiência após
o incêndio de Bariloche. Em
poucos horas, voaram para o
Brasil e usaram bem seus equipamentos. Aprenderam com
um grande incêndio.
Será que podemos nos dar ao
luxo de não aprender?
Mas talvez tenha tenha tido
mesmo uma sensação de urgência no cara de chapéu azul.
O cara do chapéu azul é o personagem de uma história que
não posso perder em minhas
anotações. Um grupo de deputados pergunta solenemente ao
alto comando do combate aos
incêndios pelo representante
do Previ-Fogo. Todos se interrogam meio surpresos. Para
romper com o embaraço, um
deles disse: "Deve ser um cara
que esteve aqui ontem".
"Que passou por aqui", completou outro.
Isso, um cara de chapéu azul.
Sabíamos pelo combinado, inclusive na lei: o Previ-Fogo teria de ser a coordenação de tudo. Se virou um cara do chapéu azul, era porque estávamos começando uma nova experiência, na qual o Exército e
os bombeiros se saíram bem.
Mas era improvisada.
Mas abriu-se um caminho
para uma função ambiental
das Forças Armadas, sem as
quais a preservação da Amazônia fica praticamente impossível. Pena que essa abertura não tenha sido tão grande
no debate sobre o Sivam. Um
projeto daquela dimensão poderia ter incluído o combate
ao incêndio florestal.
Voltamos à ilusão do início:
a de que as queimadas se sucederiam e acabariam se reduzindo com os anos. O dado estratégico é que, atacada pelas
bordas e retalhada por madeireiras, ela não resiste como antes. Os próprios satélites não
conseguem ver totalmente o
que se passa.
Num artigo sobre incêndios
na Amazônia, o engenheiro
florestal Carlos Ferreira Castro
mostra como uma área de Paragominas (PA), que era tida
com um índice de 65% de floresta nas imagens do Landsat
Thematic Mapper, visto embaixo, por técnicos do Ipam,
revelava apenas 6% de mata
primária.
Portanto, é todo mundo vestir logo esse boné azul, caso
contrario, como lembra Ferreira Castro, a história da Amazônia se contará a ferro e fogo,
como Warren Dean contou a
historia da Mata Atlântica. Do
principio, até o fim.
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