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CRÍTICA
Kitsch marca noite do Rei com Pavarotti
IRINEU FRANCO PERPÉTUO
enviado especial a Porto Alegre
Hebe Camargo foi a grande vencedora do encontro dos cifrões entre Pavarotti e Roberto Carlos, sábado à noite, no lotado estádio
Beira-Rio, em Porto Alegre. A
apresentadora de televisão foi amplamente ovacionada, na entrada
e na saída do espetáculo.
De resto, sobrou desorganização. Filas, desconforto e desinformação foram males que atingiram
espectadores. A primeira vítima
da bagunça foi a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), que
acompanhou Pavarotti.
O ensaio da Ospa na sexta-feira
foi interrompido devido à queda
de uma das colunas de madeira do
palco no lugar reservado aos primeiros violinos. Só não houve baixas porque os instrumentistas
conseguiram correr a tempo.
Basicamente, o público tinha
duas opções. Pagando R$ 15 ou R$
20, poderia sentar no cimento da
arquibancada, passar frio e acompanhar o show pelo telão.
Já quem se dispusesse a pagar
dez vezes mais (entre R$ 100 e R$
250) dispunha do vistoso privilégio de poder se aboletar nas cadeiras de plástico colocadas sobre o
gramado, passando o mesmo frio,
também tendo de assistir pelo telão e, no caso dos lugares mais
próximos, tendo os ouvidos maltratados pela potência do som.
Do mirrado folheto que era distribuído como programa, não
constava o principal: o nome das
músicas.
Roberto Carlos entrou no palco
às 21h10. Se Pavarotti teve a bondade de acompanhar seu show, finalmente ficou conhecendo o cantor com o qual dividiria a noite.
Em uma hora, foram apresentados os maiores "hits" do Rei, do
pornô soft de "Cavalgada" ao neogospel de "Jesus Cristo".
Seria ocioso discutir os méritos
musicais de Roberto Carlos, já que
sua proverbial inexistência jamais
foi empecilho para uma bem-sucedida carreira. Menos do que
fruição estética, o público estava lá
para uma catarse coletiva.
O intervalo teve 50 minutos, durante os quais os alto-falantes executavam o hino do Internacional,
dono do estádio, enquanto o telão
exibia vídeos com propaganda política do governo do Estado.
Vestido de branco, um coro infantil executou um arranjo pouco
imaginativo de "Amigo", enquanto Roberto Carlos anunciava a entrada do "maior tenor do mundo".
Pavarotti agradeceu com as mesmas lágrimas de crocodilo que tiraria da cartola para interpretar
"Vesti la Giubba", da ópera "I Pagliacci", de Leoncavallo.
Pouco disposto a arriscar a milionária garganta no cortante vento porto-alegrense, o tenor italiano evitou os riscos ao máximo.
Seus agudos perderam o brilho e a
afinação quase foi embora em "La
Mia Canzone al Vento".
Era meia-noite quando Roberto
Carlos voltou ao palco, para dois
duetos com Pavarotti: "Ave Maria", de Schubert, e a napolitana
"O Sole Mio".
Acompanhada por um sintetizador, "Ave Maria" teve o rei derrapando no italiano e Pavarotti escorregando no ritmo. Quando as
vozes se fundiram, o tenor teve o
cuidado de cantar em pianíssimo.
"O Sole Mio" foi ainda mais sui
generis: Pavarotti cantou sua parte
com a Ospa, enquanto as estrofes
de Roberto Carlos eram acompanhadas pelo sintetizador. O resultado foi aquele kitsch atroz pelo
qual os espectadores ansiavam e
freneticamente aplaudiram.
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