São Paulo, segunda, 6 de abril de 1998

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CRÍTICA
Kitsch marca noite do Rei com Pavarotti

IRINEU FRANCO PERPÉTUO
enviado especial a Porto Alegre

Hebe Camargo foi a grande vencedora do encontro dos cifrões entre Pavarotti e Roberto Carlos, sábado à noite, no lotado estádio Beira-Rio, em Porto Alegre. A apresentadora de televisão foi amplamente ovacionada, na entrada e na saída do espetáculo.
De resto, sobrou desorganização. Filas, desconforto e desinformação foram males que atingiram espectadores. A primeira vítima da bagunça foi a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), que acompanhou Pavarotti.
O ensaio da Ospa na sexta-feira foi interrompido devido à queda de uma das colunas de madeira do palco no lugar reservado aos primeiros violinos. Só não houve baixas porque os instrumentistas conseguiram correr a tempo.
Basicamente, o público tinha duas opções. Pagando R$ 15 ou R$ 20, poderia sentar no cimento da arquibancada, passar frio e acompanhar o show pelo telão.
Já quem se dispusesse a pagar dez vezes mais (entre R$ 100 e R$ 250) dispunha do vistoso privilégio de poder se aboletar nas cadeiras de plástico colocadas sobre o gramado, passando o mesmo frio, também tendo de assistir pelo telão e, no caso dos lugares mais próximos, tendo os ouvidos maltratados pela potência do som.
Do mirrado folheto que era distribuído como programa, não constava o principal: o nome das músicas.
Roberto Carlos entrou no palco às 21h10. Se Pavarotti teve a bondade de acompanhar seu show, finalmente ficou conhecendo o cantor com o qual dividiria a noite. Em uma hora, foram apresentados os maiores "hits" do Rei, do pornô soft de "Cavalgada" ao neogospel de "Jesus Cristo".
Seria ocioso discutir os méritos musicais de Roberto Carlos, já que sua proverbial inexistência jamais foi empecilho para uma bem-sucedida carreira. Menos do que fruição estética, o público estava lá para uma catarse coletiva.
O intervalo teve 50 minutos, durante os quais os alto-falantes executavam o hino do Internacional, dono do estádio, enquanto o telão exibia vídeos com propaganda política do governo do Estado.
Vestido de branco, um coro infantil executou um arranjo pouco imaginativo de "Amigo", enquanto Roberto Carlos anunciava a entrada do "maior tenor do mundo".
Pavarotti agradeceu com as mesmas lágrimas de crocodilo que tiraria da cartola para interpretar "Vesti la Giubba", da ópera "I Pagliacci", de Leoncavallo.
Pouco disposto a arriscar a milionária garganta no cortante vento porto-alegrense, o tenor italiano evitou os riscos ao máximo. Seus agudos perderam o brilho e a afinação quase foi embora em "La Mia Canzone al Vento".
Era meia-noite quando Roberto Carlos voltou ao palco, para dois duetos com Pavarotti: "Ave Maria", de Schubert, e a napolitana "O Sole Mio".
Acompanhada por um sintetizador, "Ave Maria" teve o rei derrapando no italiano e Pavarotti escorregando no ritmo. Quando as vozes se fundiram, o tenor teve o cuidado de cantar em pianíssimo.
"O Sole Mio" foi ainda mais sui generis: Pavarotti cantou sua parte com a Ospa, enquanto as estrofes de Roberto Carlos eram acompanhadas pelo sintetizador. O resultado foi aquele kitsch atroz pelo qual os espectadores ansiavam e freneticamente aplaudiram.



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