São Paulo, segunda, 6 de abril de 1998

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Bela Aldeia, Bela Chama

Divulgação
Cena do filme "Bela Aldeia, Bela Chama", sobre a guerra na ex-Iugoslávia, que está sendo lançado em vídeo


MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

Guerra da Bósnia ou da ex-Iugoslávia ou de servos contra croatas, tanto faz o nome, tanto faz quem luta contra quem nesse filme ousado de Srdjan Dragojevic sobre o absurdo das guerras.
A ousadia está primeiro no conteúdo. A história retrata soldados sérvios como seres humanos normais, até onde é possível haver humanidade e normalidade em tempos de guerra.
Os sérvios saíram da Guerra da Bósnia com a reputação de nacionalistas fanáticos, monstros sanguinários e estupradores. Em "Bela Aldeia, Bela Chama", um pelotão de sete soldados sérvios, mais uma repórter fotográfica americana que não fala a língua, estão encurralados num túnel, vigiados todo o tempo por inimigos muçulmanos do lado de fora.
A segunda ousadia está na técnica narrativa radical utilizada por Dragojevic. A história, contada de forma não linear, se desenrola em diversos planos temporais. O filme começa em 1971, passa pelos anos 80 e centra a ação na Guerra da Bósnia, entre 1992 e 1995.
Os planos se misturam de maneira aparentemente confusa, mas aos poucos tudo vai se esclarecendo, os personagens emergem da confusão com força, criando no espectador um misto de repúdio e empatia surpreendente pelo drama pessoal de cada um.
Em 1971, era inaugurada a construção do "Túnel da Fraternidade e da União", ligando Belgrado (capital da Sérvia) a Zagreb (capital da Croácia) e simbolizando a unidade da ex-Iugoslávia sob o governo comunista de Tito.
Nunca concluído, o túnel representa no filme a unidade partida, a ruptura sangrenta que deu lugar à guerra. Diante do túnel abandonado, dois meninos, um sérvio e outro muçulmano, hesitam em entrar, com medo dos monstros que vivessem lá dentro.
Esses mesmos amigos de infância, o sérvio Milan (Dragan Bjelogrlic) e o muçulmano Halil (Nikola Pejakovic), são os homens que, em 1994, estão em lados opostos da guerra que acabou com a Iugoslávia antes formada pelas repúblicas da Croácia, Eslovênia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro e Macedônia, além da Sérvia.
O mesmo túnel dos monstros da infância abriga o centro da ação deste filme marcante. Ali, no relacionamento dos sérvios entre si e deles com os inimigos muçulmanos de origem turca, pinta-se o quadro da degradação humana sob a ferocidade da guerra.
Entocados no túnel, os soldados vão pondo a nu os monstros que moram dentro deles mesmos, numa sequência de cenas de uma crueza violenta -como quando, sem água, resolvem beber a urina de um deles-, cheias de humor negro, medo e desafio à morte.
O último plano narrativo se passa num hospital militar onde se recuperam alguns dos soldados do pelotão, entre eles Milan, e para onde se estende o rastro de ódio e vingança dessa que foi uma das mais selvagens guerras do século.

Filme: Bela Aldeia, Bela Chama Produção: Sérvia, 1996, 125 min Direção: Srdjan Dragojevic Com: Dragan Bjelogrlic, Nikola Kojo Lançamento: Europa (011/7295-7020)


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