|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"MONDOVINO"
Documentário mostra embate entre indústria e tradição do vinho
CRÍTICO DA FOLHA
É bom começar pelo aviso.
"Mondovino" é feito em digital, o que garante aquela coloração borrada, os tons metálicos, a
fotografia sem superficialidade. A
tudo isso nos acostumamos. O
problema é que a câmera trepida
como uma britadeira enlouquecida, de tal modo que não é impossível sair meio nauseado após os
130 minutos de projeção.
Dito isso, Jonathan Nossiter não
faz um filme sobre o mundo dos
vinhos propriamente, mas sobre
um fenômeno não menos relevante que é a globalização. Serve-se do vinho como exemplo. E o vinho é, nesse sentido, um ótimo
exemplo, porque não se trata de
uma indústria como o aço ou os
automóveis, que se transplantam
de um país a outro sem problema.
O vinho é uma cultura, um modo de viver, de se relacionar com a
terra e a natureza que os camponeses europeus desenvolveram ao
longo de gerações. A bebida é apenas a parte visível dessa cultura.
Eis que chegam os anos 1980.
Há Reagan no poder nos EUA (e
ele tem sua foto estampada na parede de cada industrial do ramo).
Há um vasto mercado que se abre
também nos EUA. Existe ainda
uma produção que se desenvolve
na Califórnia e alguns grandes
produtores -a família Mondavi
à frente- dispostos a expandir
seus domínios e suas marcas.
Mas há mais. Para começar, a
tecnologia. Com ela chega Michel
Rolland, guru dos produtores,
prodigando conselhos de como
melhorar a qualidade dos vinhos
("sai o poeta, entram os enólogos", diz um velho produtor).
Com Rolland chega o crítico Robert Parker, que com um comentário pode fazer dobrar o preço de
uma garrafa. Com ele vêm os críticos da revista "Wine Spectator".
Diz Parker que ele trabalha para
o consumidor. Dizem velhos viticultores e alguns comerciantes
que ele trabalha para os americanos. Os dois têm razão, pois os
críticos encarnam uma certa
mentalidade, um certo mercado.
Franceses e italianos podem compreender o que significa essa ligação com a terra etc. e tal. Americanos não. E a massificação do consumo dos vinhos vem dos EUA.
"Mondovino" levanta essa discussão de maneira quase isenta.
Na verdade, suscitar a discussão
já é uma forma de golpear a indústria globalizada -que não
gostaria de ver esse tipo de coisas
discutido. Mas a exposição dos
argumentos de ambas as partes é
isenta, na medida em que o realizador não esconde seu partido (a
favor da tradição, contra os EUA e
a União Européia; pelo artesanato, contra a indústria).
Tomar partido não é problema,
como bem lembra Francis Ponge
(diz ele: não tomar partido já é tomar um -o pior). Fazer algumas
associações entre famílias de produtores e posições políticas comprometedoras, ao contrário, é um
golpe baixo.
(INÁCIO ARAUJO)
Mondovino
Mondovino
Direção: Jonathan Nossiter
Produção: França, 2004
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco e no Top Cine
Texto Anterior: "Cruzada": Filme é inexpressivo como o rosto de seu ator principal Próximo Texto: Música: Selos europeus lançam discos de pós-punk brasileiro Índice
|