São Paulo, sexta-feira, 06 de maio de 2005

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"MONDOVINO"

Documentário mostra embate entre indústria e tradição do vinho

CRÍTICO DA FOLHA

É bom começar pelo aviso. "Mondovino" é feito em digital, o que garante aquela coloração borrada, os tons metálicos, a fotografia sem superficialidade. A tudo isso nos acostumamos. O problema é que a câmera trepida como uma britadeira enlouquecida, de tal modo que não é impossível sair meio nauseado após os 130 minutos de projeção.
Dito isso, Jonathan Nossiter não faz um filme sobre o mundo dos vinhos propriamente, mas sobre um fenômeno não menos relevante que é a globalização. Serve-se do vinho como exemplo. E o vinho é, nesse sentido, um ótimo exemplo, porque não se trata de uma indústria como o aço ou os automóveis, que se transplantam de um país a outro sem problema.
O vinho é uma cultura, um modo de viver, de se relacionar com a terra e a natureza que os camponeses europeus desenvolveram ao longo de gerações. A bebida é apenas a parte visível dessa cultura.
Eis que chegam os anos 1980. Há Reagan no poder nos EUA (e ele tem sua foto estampada na parede de cada industrial do ramo). Há um vasto mercado que se abre também nos EUA. Existe ainda uma produção que se desenvolve na Califórnia e alguns grandes produtores -a família Mondavi à frente- dispostos a expandir seus domínios e suas marcas.
Mas há mais. Para começar, a tecnologia. Com ela chega Michel Rolland, guru dos produtores, prodigando conselhos de como melhorar a qualidade dos vinhos ("sai o poeta, entram os enólogos", diz um velho produtor). Com Rolland chega o crítico Robert Parker, que com um comentário pode fazer dobrar o preço de uma garrafa. Com ele vêm os críticos da revista "Wine Spectator".
Diz Parker que ele trabalha para o consumidor. Dizem velhos viticultores e alguns comerciantes que ele trabalha para os americanos. Os dois têm razão, pois os críticos encarnam uma certa mentalidade, um certo mercado. Franceses e italianos podem compreender o que significa essa ligação com a terra etc. e tal. Americanos não. E a massificação do consumo dos vinhos vem dos EUA.
"Mondovino" levanta essa discussão de maneira quase isenta. Na verdade, suscitar a discussão já é uma forma de golpear a indústria globalizada -que não gostaria de ver esse tipo de coisas discutido. Mas a exposição dos argumentos de ambas as partes é isenta, na medida em que o realizador não esconde seu partido (a favor da tradição, contra os EUA e a União Européia; pelo artesanato, contra a indústria).
Tomar partido não é problema, como bem lembra Francis Ponge (diz ele: não tomar partido já é tomar um -o pior). Fazer algumas associações entre famílias de produtores e posições políticas comprometedoras, ao contrário, é um golpe baixo. (INÁCIO ARAUJO)


Mondovino
Mondovino
  
Direção: Jonathan Nossiter
Produção: França, 2004
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco e no Top Cine


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