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Pedro Almodóvar fala sobre "La Mala Educación", longa parcialmente
autobiográfico sobre os anos "sombrios" que passou numa escola católica na década de 60
Infância de pesadelo
BRUNO LESTER
DA IFA
Pedro Almodóvar está atrás das
câmeras outra vez, rodando o trabalho que vai completar seus dois
últimos filmes, oscarizados e aclamados -""Tudo sobre Minha
Mãe" (ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2000) e
""Fale com Ela" (que recebeu o Oscar de melhor roteiro em 2003). E
o novo filme do bombástico diretor espanhol certamente será o
mais polêmico de sua carreira.
O parcialmente autobiográfico
""La Mala Educación" retratará o
ensino católico na Espanha sob
uma luz dura e impiedosa, mostrando casos de padres abusando
de crianças e um episódio de pedofilia. ""Eu me recordo daquela
época como um pesadelo", diz o
roteirista e diretor de 51 anos,
lembrando a escola de sua infância. ""Foi um dos períodos mais
sombrios de minha vida. O filme é
um retrato da educação horrenda
que eu e outras pessoas de minha
geração tivemos."
Apesar de a trama parecer conter ecos da crise que atinge a Igreja
Católica nesse momento, Almodóvar diz que seu objetivo não é
fazer comentários moralizadores.
""O filme não é contra a igreja -é
contra os maus professores, que,
no caso, são padres."
""La Mala Educación" é o 15º filme de Almodóvar. A história é
baseada num conto que o diretor
escreveu há cerca de 30 anos e que
ele e o cineasta Agustí Villaronga
transformaram em roteiro em 97.
Depois de completar um primeiro esboço do texto, Almodóvar
engavetou os planos para o filme,
temendo que a história não rendesse o tipo de longa que seu público esperava. Em lugar disso, fez
seu filme mais bem-sucedido até
agora, ""Tudo sobre Minha Mãe".
""Por muito tempo, tive medo de
contar histórias muito pessoais",
diz. ""Queria que meus filmes fizessem sucesso. Fiz as comédias
que esperavam de mim."
Com o drama ""Fale com Ela"
(2002), decidiu que era hora de
contar uma história mais pessoal.
"Precisava explorar coisas novas.
Estava saturado do Almodóvar de
dez anos antes. Eu me sentia pressionado a corresponder à imagem
que se fazia de mim, e meu estilo
de fazer cinema tinha virado comum e corriqueiro. Transformaram-me em adjetivo: tal coisa é almodovariana. É a pior coisa que
pode acontecer com você, criativamente falando."
"Amor, ódio e vingança"
O cineasta não esperava que
""Fale com Ela", trabalho mais sutil, fizesse sucesso, mas, quando
isso aconteceu, lhe "deu mais
confiança para poder contar histórias mais pessoais".
""La Mala Educación" é um filme desse tipo, pessoal. Conta a
história da amizade entre dois
meninos que são abusados por
seus professores numa escola católica na década de 60. Quando os
dois se reencontram, 15 anos mais
tarde, um deles é um cineasta que
trabalha num filme sobre os sofrimentos que passaram quando
crianças, e o outro é um travesti
que nutre esperanças de fazer carreira como ator. ""É sobre amor,
ódio e vingança", diz o diretor.
""Meus filmes estão evoluindo
com o tempo, tornando-se mais
abertamente emocionais", afirma
Almodóvar. ""Estou me tornando
mais direto, mais abertamente
sentimental e emocional. Sinto-me mais maduro -mais, talvez,
do que gostaria de ser." Ele ri.
""Aliás, acho que isso é um sintoma da maturidade."
Almodóvar é conhecido principalmente por sua visão das mulheres e a maneira como dirige
atrizes. Suas cartas de amor às
mulheres chegaram ao auge com
""Tudo sobre Minha Mãe", e diversas atrizes de Hollywood, de
Jane Fonda a Nicole Kidman, já o
procuraram.
""Acho que isso vai acontecer algum dia, sim", diz ele, sobre trabalhar com Kidman. Almodóvar
queria dirigir a atriz australiana
em ""As Horas", mas o diretor Stephen Daldry chegou antes.
Por enquanto, pelo menos, o espanhol parece ter deixado de focalizar as mulheres, transferindo
sua atenção para os homens, primeiro com ""Carne Trêmula", depois com ""Fale com Ela" e agora
com ""La Mala Educación".
""Estou interessado em mostrar
homens que são emotivos e frágeis. Não quero fazer apenas filmes sobre mulheres, mas durante
muito tempo achei mais fácil contar histórias sobre elas porque,
embora a cultura espanhola seja
machista, são as mulheres que estão tomando as decisões. Elas são
mais fortes, mais interessantes e
mais complexas do que os homens. Têm uma capacidade
maior de se surpreender, e seu sofrimento é mais espetacular do
que o de um homem. Agora é um
grande desafio para mim contar
histórias sobre homens que possam ser tão interessantes quanto
as histórias de mulheres."
"Emoções perversas"
Desde a infância, a grande paixão de Almodóvar foi o cinema,
no qual buscava consolo num
mundo muito diferente daquele
que habitava. O cineasta conta
que foi criado à base de filmes
americanos e que gostava especialmente dos clássicos dos anos
50 e início dos anos 60.
""Quando tinha 11 anos, havia
um cinema na rua da escola onde
estudava. Na escola, os padres
tentavam moldar meu espírito,
deformando-o com tenacidade
religiosa. Felizmente, perto de lá,
nos bancos do cinema, eu me reconciliava com o mundo, com
meu mundo -um mundo dominado por emoções perversas, às
quais tinha certeza de pertencer."
Almodóvar chegou a Madri em
meados dos anos 70. Para sobreviver, criou HQs, atuou num número drag, cantou num grupo de
rock e trabalhou para uma empresa de telefonia, ao mesmo tempo em que rodava filmes experimentais nos finais de semana.
""A única escola de cinema que
havia no país tinha sido fechada
pelo [general espanhol Francisco]
Franco, então fui obrigado a
aprender por conta própria a fazer cinema", conta.
Almodóvar fala com dinamismo, confiança, humor e intensidade. É fácil imaginar que possa
ser alguém difícil de trabalhar, e
ele próprio admite já ter ""queimado" seu relacionamento com amigos e atores de longa data. ""Tenho
problemas com todos eles", diz,
sorrindo. ""Meus relacionamentos
de trabalho são tão intensos que
às vezes se tornam semelhantes
ao que existe entre amantes."
Mesmo assim, seus atores parecem sempre querer voltar. Leonor
Watling e Javier Camara, ambos
de ""Fale com Ela", integram ""La
Mala Educación".
E o diretor em processo de amadurecimento, cujo próximo projeto reunirá Antonio Banderas e
Penélope Cruz, dois dos colaboradores da fase inicial, hoje leva
uma vida muito mais tranquila.
Antigamente, Almodóvar adorava frequentar o cenário clubber,
mas agora, afirma, não sai mais:
""Nos últimos anos, me isolei muito. Não posso continuar a levar a
vida que levava 20 anos atrás.
Além do fato de que acabaria
morrendo, ficaria entediado".
""Quando cheguei à casa dos 40
anos, algo mudou. Não dá mais
para passar a noite toda fora e ainda escrever roteiros ótimos no dia
seguinte." Com um sorriso, afirma: ""É uma pena, porque continuo a sentir as mesmas necessidades de quando tinha 20 anos".
"Degenerado espanhol"
Almodóvar, que é abertamente
gay e já chegou a se descrever como ""um conhecido degenerado
espanhol", repudia a correção política de Hollywood e se manifestou contra a invasão americana
do Iraque no discurso que proferiu ao aceitar o Oscar neste ano.
Essa postura contra a correção
política é a principal razão pela
qual o diretor vem dizendo ""não"
a projetos americanos por 15
anos.
Ele mudou de idéia alguns anos
atrás e escreveu um roteiro sombrio e pouco convencional baseado no romance ""The Paper Boy",
publicado por Pete Dexter em
1992. Embora essa história, sobre
um garoto que chega à idade
adulta nos pântanos da Flórida,
seja uma possibilidade futura, Almodóvar diz estar com a cabeça
agora tomada unicamente por
""La Mala Educación".
O filme está custando 8,5 milhões, o que o torna a produção
espanhola mais cara já feita. As filmagens, previstas para durar três
meses (as mais longas em se tratando de um título espanhol), estão tendo lugar em Barcelona, Valência e Madri. Almodóvar está
produzindo o filme ao lado de seu
irmão, Agustín, através da empresa deles, El Deseo. O longa será
distribuído mundialmente pela
Warner Bros. e é estrelado por
Gael García Bernal, de ""O Crime
do Padre Amaro".
""Na realidade, todos os meus
filmes são sobre eu mesmo", diz
Almodóvar. ""Apenas me escondo
por trás dos personagens. E o humor negro, quase cruel, dos meus
filmes é muito espanhol. Sinto-me em sintonia com isso."
Quanto a apreciar seu enorme
sucesso internacional, conclui:
""Infelizmente, o mal-estar que
sinto em curtir o que fiz no passado -e isso é algo que faz parte de
minha personalidade- me impede de desfrutar o que já realizei.
Meu verdadeiro amadurecimento
virá no dia em que conseguir
olhar para trás e sentir que aquilo
que já fiz me faz companhia, me
dá memórias e me dá prazer".
Tradução Clara Allain
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