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LIVRO/LANÇAMENTO
"TESTAMENTO DE PASÁRGADA"
Obra agrupa poemas em ordem temática
Antologia recupera e favorece primeiras obras de Bandeira
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Esgotada há quase 20 anos, a
antologia poética de Manuel
Bandeira (1886-1968), "Testamento de Pasárgada", é relançada
agora em edição conjunta com a
Academia Brasileira de Letras. A
organização do volume foi um
dos primeiros trabalhos do poeta
e ensaísta Ivan Junqueira, que
também traduziu T.S. Eliot, Baudelaire e Dylan Thomas.
A obra não deixa de ser, assim, a
leitura e o recorte que um poeta
faz de outro. Ao contrário de uma
antologia comum, ou de um volume de obras reunidas, o aspecto
cronológico é mantido em segundo plano. Junqueira seleciona as
poesias de Bandeira, agrupando-as em seções temáticas.
Dentre os segmentos, há o que
reúne as melhores produções do
poeta, o dedicado às influências e
o que agrupa seus poemas mais
melancólicos. No início de cada
um, Junqueira apõe epígrafes (extraídas de Bandeira) e escreve um
curto ensaio. Esse formato convida-nos a ler a obra bandeiriana
menos numa sequência temporal
e evolutiva e mais num entrelaçamento de temas e motivos que
circulam pela obra como um todo. Assim, na seção "Lirismo
Triste", podemos cotejar versos
do início da carreira, como "À
Sombra das Araucárias", com outros de sua maturidade, como
"Poema do Mais Triste Maio".
Com isso, a antologia favorece a
retomada das primeiras obras de
Bandeira, consideradas menores
por boa parte da crítica. De fato, é
lugar-comum dizer que o poeta
só começou a firmar-se a partir de
"O Ritmo Dissoluto" e, mais ainda, com "Libertinagem" e "Estrela da Manhã". Junqueira defende
a importância dos poemas anteriores, não só salpicando-os em
cada seção (e até mesmo elegendo
um deles como uma das obras-primas), mas também os justificando abertamente em vários dos
ensaios introdutórios.
Com a sensibilidade adquirida
no mister comum, Junqueira
mostra como Bandeira desde o
início foi um poeta culto, sensível
aos recursos cedidos pela tradição. São esclarecedores seus comentários sobre "Chama e Fumo", em que Bandeira recorre ao
formato da vilanela (cujas origens
datam do século 16), e "Solau do
Desamado", que bebe no quinhentismo português (os dois
poemas são da obra de estréia, "A
Cinza das Horas").
O perigo está em valorizar a
obra inicial apenas pela conjuntura de que Bandeira já dominava,
na época, a tradição lírica. A impressão que temos é que o poeta
só encetou os versos livres quando percebeu ter esgotado os recursos poéticos tradicionais, ou
seja, sem ter sido de fato atraído às
imensas possibilidades oferecidas
pela nova forma -o que não deixa de ser um ponto de vista evolutivo (conquanto com os sinais
trocados) que Junqueira em princípio parecia evitar.
Peguemos um poema como
"Rondó da Colombina" (de 1913),
que Junqueira aninha no setor
"Consciência Poética", explicando ser uma retomada do modelo
de "rondeau" proposto por Voiture no século 17. Embora correto
em sua composição, o poema
nem de longe atinge o grau de sofisticação, ironia e até mesmo de
excelência formal de "Rondó dos
Cavalinhos", escrito mais de 20
anos depois.
É necessário restaurar o sentido
da produção inicial do poeta
diante de sua obra madura, mas a
via sugerida por Junqueira não
parece ser a mais sensata. Ela falha quando promove uma visão
não problematizada dos primeiros livros ou quando deixa de fora
setores da crítica mais atual, que
já haviam avançado a discussão
mesmo na data da primeira edição de "Testamento...". Como
amostra da poesia de Bandeira, a
obra merece as estrelas da vida inteira; como antologia, porém, revela-se questionável.
Testamento de Pasárgada
Autor: Manuel Bandeira
Organizador: Ivan Junqueira
Editora: Nova Fronteira/ Academia
Brasileira de Letras
Quanto: R$ 42 (352 págs.)
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