São Paulo, sábado, 06 de novembro de 2004

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"PAULO FRANCIS"

Um livro para lembrar a falta que Francis faz

RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL

Quem tem menos de 40 anos provavelmente se lembra de Paulo Francis como o comentarista que falava de um jeito estranho nos telejornais da Rede Globo e, na condição de estrela de um quarteto de debatedores, no programa de TV por assinatura "Manhattan Connection".
Em "Paulo Francis", volume escrito para uma coleção de pequenas biografias, Daniel Piza conta a história que deu origem ao personagem televisivo abordado nas ruas e glorificado por humoristas: a do jornalista que, ao longo de quatro décadas, exerceu influência única na imprensa brasileira.
Com Francis mudaram as referências, o ponto de vista e o texto. Um monte de gente entrou na profissão por causa de Francis. Um monte de gente quis ser Francis. E, como lembrou um amigo quando de sua morte, em 1997, aos 66 anos, Nova York hoje fica ali na esquina em boa medida por obra de Francis.
Editor-executivo e colunista do jornal "O Estado de S. Paulo", Piza resumiu os fatos centrais da vida de Francis para se concentrar em suas idéias. Fez um livro sobre as migrações do biografado: do teatro para o jornalismo, do Rio a NY, do trotskismo até um misto de liberalismo econômico extremado e conservadorismo nos demais departamentos que enfurecia o leitorado "à esquerda" (Francis escreveria entre aspas).
Piza foi um entre muitos jornalistas mais jovens a desfrutar da generosidade de Francis e um dos mais próximos em seus últimos anos de vida. O principal mérito do livro é equilibrar afeto e distanciamento.
O autor destaca a inteligência e a erudição extraordinárias de Francis sem deixar de reconhecer que, em seu longo pontificado, ele chutou, inventou e citou sem dar crédito em larga escala.
Por outro lado (expressão que Francis execrava), a sobriedade do livro não dá a exata medida do que foi o "Diário da Corte", tribuna que consagrou Francis na Folha entre 1977 e 1990 e depois seguiu com ele para o "Estado".
Se Francis, como Piza observa, não foi um pensador, e sim um comentarista, teria sido saboroso apresentar ao leitor um pouco mais do colorido de seus textos.
Afinal, o "Diário" era um lugar onde se liam, não raro na mesma edição, juízos peremptórios sobre temas tão diversos quanto o médico de Andy Warhol ("Foi famoso durante 15 minutos ao matá-lo na mesa de operações", 1987), a Presidência de Sarney ("Todo governo incompetente precisa de judeus e comunistas. Vulgo bodes expiatórios. O boi gordo seria o judeu do Funaro", 1986) e o culto às grifes ("Acho ridículo andar com uma calça que tenha o nome de alguém na minha bunda. Bunda que mamãe beijou vagabundo nenhum põe tarja", 1986).
Piza conclui, acertadamente, que as qualidades de Francis como jornalista superavam seus defeitos. Diz ainda que o maior desses defeitos seria o exagero. Tenho dúvida. Sem exagero (ou com menos), Francis teria deixado de cometer um punhado de injustiças, algumas feias. Mas também é fato que, sem exagero, Francis não teria sido Francis. Talvez o ambiente jornalístico fosse hoje mais inóspito a ele. Numa era de intenso fluxo de informações, sua alegada onisciência certamente seria mais contestada.
Ao mesmo tempo, é impossível deixar de imaginar o que Francis diria a respeito de alguns itens do noticiário atual. A começar pelo proposto Conselho Federal de Jornalismo. Aliás, o governo Lula seria bem capaz de inventar um CFJ exclusivamente para "orientar, disciplinar e fiscalizar" Paulo Francis. Isso basta para dar a noção da falta que ele faz.


Paulo Francis
   
Autor: Daniel Piza
Editora: Relume Dumará/Rio Arte
Quanto: R$ 26 (120 págs.)



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