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"PAULO FRANCIS"
Um livro para lembrar a falta que Francis faz
RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL
Quem tem menos de 40 anos
provavelmente se lembra de
Paulo Francis como o comentarista que falava de um jeito estranho nos telejornais da Rede Globo e, na condição de estrela de um
quarteto de debatedores, no programa de TV por assinatura "Manhattan Connection".
Em "Paulo Francis", volume escrito para uma coleção de pequenas biografias, Daniel Piza conta a
história que deu origem ao personagem televisivo abordado nas
ruas e glorificado por humoristas:
a do jornalista que, ao longo de
quatro décadas, exerceu influência única na imprensa brasileira.
Com Francis mudaram as referências, o ponto de vista e o texto.
Um monte de gente entrou na
profissão por causa de Francis.
Um monte de gente quis ser Francis. E, como lembrou um amigo
quando de sua morte, em 1997,
aos 66 anos, Nova York hoje fica
ali na esquina em boa medida por
obra de Francis.
Editor-executivo e colunista do
jornal "O Estado de S. Paulo", Piza resumiu os fatos centrais da vida de Francis para se concentrar
em suas idéias. Fez um livro sobre
as migrações do biografado: do
teatro para o jornalismo, do Rio a
NY, do trotskismo até um misto
de liberalismo econômico extremado e conservadorismo nos demais departamentos que enfurecia o leitorado "à esquerda"
(Francis escreveria entre aspas).
Piza foi um entre muitos jornalistas mais jovens a desfrutar da
generosidade de Francis e um dos
mais próximos em seus últimos
anos de vida. O principal mérito
do livro é equilibrar afeto e distanciamento.
O autor destaca a inteligência e a
erudição extraordinárias de Francis sem deixar de reconhecer que,
em seu longo pontificado, ele
chutou, inventou e citou sem dar
crédito em larga escala.
Por outro lado (expressão que
Francis execrava), a sobriedade
do livro não dá a exata medida do
que foi o "Diário da Corte", tribuna que consagrou Francis na Folha entre 1977 e 1990 e depois seguiu com ele para o "Estado".
Se Francis, como Piza observa,
não foi um pensador, e sim um
comentarista, teria sido saboroso
apresentar ao leitor um pouco
mais do colorido de seus textos.
Afinal, o "Diário" era um lugar
onde se liam, não raro na mesma
edição, juízos peremptórios sobre
temas tão diversos quanto o médico de Andy Warhol ("Foi famoso durante 15 minutos ao matá-lo
na mesa de operações", 1987), a
Presidência de Sarney ("Todo governo incompetente precisa de judeus e comunistas. Vulgo bodes
expiatórios. O boi gordo seria o
judeu do Funaro", 1986) e o culto
às grifes ("Acho ridículo andar
com uma calça que tenha o nome
de alguém na minha bunda. Bunda que mamãe beijou vagabundo
nenhum põe tarja", 1986).
Piza conclui, acertadamente,
que as qualidades de Francis como jornalista superavam seus defeitos. Diz ainda que o maior desses defeitos seria o exagero. Tenho dúvida. Sem exagero (ou com
menos), Francis teria deixado de
cometer um punhado de injustiças, algumas feias. Mas também é
fato que, sem exagero, Francis
não teria sido Francis. Talvez o
ambiente jornalístico fosse hoje
mais inóspito a ele. Numa era de
intenso fluxo de informações, sua
alegada onisciência certamente
seria mais contestada.
Ao mesmo tempo, é impossível
deixar de imaginar o que Francis
diria a respeito de alguns itens do
noticiário atual. A começar pelo
proposto Conselho Federal de
Jornalismo. Aliás, o governo Lula
seria bem capaz de inventar um
CFJ exclusivamente para "orientar, disciplinar e fiscalizar" Paulo
Francis. Isso basta para dar a noção da falta que ele faz.
Paulo Francis
Autor: Daniel Piza
Editora: Relume Dumará/Rio Arte
Quanto: R$ 26 (120 págs.)
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