São Paulo, Segunda-feira, 06 de Dezembro de 1999


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

AUDIOVISUAL

Refletindo o encontro da OMC, governo brasileiro discute política cultural

Brasil fica contra liberalização

WILLIAM FRANÇA
da Sucursal de Brasília



O Brasil escolheu um meio-termo na discussão sobre o futuro do mercado do audiovisual que está sendo travada na 3ª Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio): não quer o liberalismo defendido pelos EUA nem o protecionismo exagerado apregoado pelos franceses e seus parceiros da União Européia.
"Não concordamos com a total liberalização, pois, para podermos ter isonomia competitiva com o grande mercado cinematográfico, precisamos ter certas medidas de proteção e de ação antidumping, de instrumentos diplomáticos e oficiais para reclamar", afirmou à Folha José Álvaro Moisés, secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura. "E isso é diferente de reserva de mercado."
Nas discussões em Seattle (EUA), onde acontece a reunião da OMC, os europeus afirmam que não querem que produções para o cinema e a TV, em especial, além de discos e livros, sejam tratados como qualquer outra mercadoria sujeita às regras liberais do processo de globalização.
Os Estados Unidos, maiores produtores de audiovisuais do mundo, defendem claramente a abertura de mercado. Para a União Européia, cada país deve ter "a capacidade para definir e implementar suas políticas culturais e audiovisuais com o propósito de preservar a diversidade cultural".
José Álvaro Moisés está mais afinado com o espírito europeu, embora faça suas ressalvas. "A diversidade cultural é importante para afinar a cidadania e a democracia. O cinema e o vídeo são mecanismos fortes nesse ponto. Se o país não tem um mecanismo comercial próprio, fica tudo muito bonito no plano teórico, mas sem validade prática."
Essa visão da indústria do audiovisual, apresentada sob uma "concepção estratégica" da identidade cultural nacional, foi tomada há duas semanas, em Salvador, na Bahia, durante reunião que contou com os ministros da Cultura dos países da América Latina e do Caribe.
Ela reforçou as propostas anteriormente discutidas durante a realização da Cimeira, reunião entre os países latino-americanos e europeus, que aconteceu no último mês de junho, no Rio de Janeiro.

Mercadoria, ou não
O secretário do Audiovisual apresenta números para justificar sua preocupação. No Brasil, 92% do mercado de cinema é oriundo de produções norte-americanas. O país importa anualmente US$ 695 milhões por ano em produtos audiovisuais e só consegue exportar cerca de US$ 40 milhões -contados, nesse total, as telenovelas da Rede Globo, consideradas o nosso maior produto de exportação cultural.
"Cultura não é só mercadoria, mas também é uma mercadoria", argumenta o secretário, num aparente contra-senso, para defender o que chama de "medidas protetoras contra o oligopólio norte-americano", que impediriam, por exemplo, que os produtos importados desequilibrem a economia competitiva a ponto de anular a produção nacional.
Ele cita, como exemplo, o estabelecimento da cota de tela, um número mínimo de exibições asseguradas aos filmes nacionais nos cinemas comerciais. Moisés admite, no entanto, que essa idéia esbarra noutro problema: a falta de filmes brasileiros capazes de ocupar o mercado.
"Precisaríamos produzir pelo menos 60 filmes por ano para ter uma real capacidade de competir com a produção norte-americana", disse o secretário.
Ele se empolga ao afirmar que, embora ainda distante do número ideal, neste ano serão produzidos 37 filmes no país. "É um número razoável, mas ainda insuficiente."
O secretário afirma que, por esse motivo, a primeira grande prioridade do Ministério da Cultura é garantir que a produção cinematográfica cresça e, com ela, se desenvolva a indústria de apoio -ainda incipiente-, que vai desde a produção até a distribuição. "Cinema, para nós, do governo, é ponto estratégico do ângulo social, político e econômico."
Por conta das leis de incentivo à cultura, foram investidos cerca de R$ 300 milhões em cinema entre 1995 e junho deste ano, com a produção de 116 longas-metragens. O Ministério da Cultura tem dois projetos de financiamento ligados a bancos oficiais e estuda outros dois, como forma de incentivar a produção cinematográfica.


Texto Anterior: A palavra derrota a coisa em "Imagem Escrita"
Próximo Texto: Teatro: Juristas encenam Agatha Christie
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.