|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO GABEIRA
Um olhar sobre o Brasil que anda em duas rodas
Uma das previsões que faço para o futuro dominado pela Internet é que as ruas estarão cheias de
entregadores de pizza. Na verdade, não só o número de entregadores de pizza está crescendo, mas
também o de mensageiros que
trazem e levam coisas que nem o
fax nem a rede podem enviar.
Em algumas capitais e em centenas de cidades do Brasil, há um
outro fenômeno que escapou um
pouco da mídia: os mototáxis, que
cobram a tarifa de R$ 1 e mais R$
0,25 por quilômetro. Em Fortaleza e em Goiânia, lugares por onde
passei recentemente, eles são uma
presença decisiva, imprimindo
um novo traço ao panorama urbano do Brasil.
O instrumento de trabalho desses milhares de garotos que sobrevivem, independentemente de um
emprego regular, é uma moto de
125 cilindradas, a Titan da Honda. É de longe a moto mais vendida do Brasil, e dizem que seu motor é o que aguenta uma batida
diária de até 400 quilômetros.
Nas estradas do interior, vejo
que são usadas também para viagens, não muito distantes do perímetro urbano, e se tornaram para
muitos uma substituta moderna
do Fusca, o velho modelo da
Volks, que Itamar tentou ressuscitar e volta agora numa versão sofisticada.
Aproveitando uma viagem a
São Paulo, visitei o salão Duas
Rodas, no Anhembi, e constatei
algo que as revistas especializadas
há muito vinham apontando: o
Brasil é hoje um mercado importante para as grandes empresas
mundiais do setor.
Superesportivas, algumas das
motos exibidas no salão chegam a
alcançar a velocidade de 300 quilômetros por hora. Ao vê-las, no
salão e nas ruas do Rio, senti-me
um pouco confuso. De fato, é um
grande progresso alcançar os 300
quilômetros horários. Mas o que
significa isso nas precárias estradas do Brasil?
Quem observar as grandes cidades brasileiras, nos fins-de-semana, vai constatar um outro fenômeno recente. Profissionais liberais rodam pelas ruas com suas
motocicletas do tipo que o cinema
consagrou no filme "Easy Rider".
São as cruisers, motos potentes,
entre 600 e 1.500 cilindradas, que
as pessoas usam para grandes viagens.
Essas motos sempre existiram
no Brasil, houve um momento no
qual havia três BMWs em todo o
país. Agora, entraram em grande
número e, no salão que visitei, estavam todas lá, variando de um
preço de R$ 12 mil a US$ 20 mil.
A abertura desse nicho de mercado trouxe duas novas lojas da
Harley Davidson ao Rio. A célebre
marca americana, que alguns admiradores chegam a tatuar no
braço, explora não só as motos como sua imagem, em camisetas,
acessórios e até um perfume masculino.
Apesar de já estar montando
um modelo no Brasil, a Harley explora mais a atmosfera, como se
essa fosse a grande mercadoria a
ser lançada -viver um pouco da
lenda das motos e seus pilotos tatuados, sair com o perfume ou sua
marca no peito.
Toda a explosão dessa indústria
no Brasil, com o lado positivo de
uma pequena moto valente abrir
fontes de renda para milhares de
garotos, não pode passar em
branco. Ela pede uma cultura de
segurança.
Não tem sentido ver milhares de
garotos saírem por aí sem que tenham sido preparados para usar
o instrumento.
Entidades, debates, tudo isso deve reclamar das grandes empresas
que entraram no mercado um investimento em segurança. Nos Estados Unidos, elas financiam uma
fundação que trata exclusivamente de segurança ao pilotar.
No Brasil, agora há um debate
meio ignorado pela grande mídia
sobre a possibilidade de, aos 16
anos, haver a liberação para se pilotara uma scooter, essas motos
de 50 a 100 cilindradas, descendentes, de uma certa forma, das
vespas e lambretas italianas.
A indústria está preparada, pois
no salão mostrou inúmeras opções, inclusive com uma pista de
teste. Pelo que observei, a maioria
dos visitantes se colocou a favor.
Uma decisão dessas seria mais
cautelosa, no meu entender, se
viesse no bojo de uma grande
campanha sobre segurança em
moto.
Importamos um novo tipo de
veículo. Não dá para importar
normas de segurança . Num lugar
como o nosso, jamais inventaríamos uma moto que corra 300 quilômetros por hora. Certas realidades, como por exemplo o asfalto
onde rola o sonho de liberdade,
têm de ser levadas em conta, sob
risco de um suicídio cultural, ao
pé da letra.
Texto Anterior: Música conduz conturbadas relações de família Próximo Texto: Cinema/festivais: Documentário sobre cantor holandês vence em Amsterdã Índice
|