São Paulo, quinta-feira, 06 de dezembro de 2001

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Exposição e livro reúnem imagens que o francês Marcel Gautherot fez entre os anos 40 e 60 no país

Marcel Gautherot/Divulgação
JANGADAS Os jangadeiros de Anquiraz (CE) foram registrados pelas lentes do fotógrafo francês Marcel Gautherot entre 1950 e 1952; a imagem está em exposição no Instituto Moreira Salles do Rio

MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO

A partir de hoje, se poderá entender um pouco melhor quem eram os brasileiros, e o que sonharam, há meio século. É que hoje será aberta no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, a exposição "O Brasil de Marcel Gautherot", com 267 imagens registradas pelo fotógrafo francês entre as décadas de 40 e 60.
O instituto também está colocando à venda um livro do mesmo nome, com 107 fotos de Gautherot e textos dos arquitetos Oscar Niemeyer, Augusto da Silva Telles e Ana Luiza Nobre, da antropóloga Lygia Segala e do crítico Rubens Fernandes Junior.
"As fotos de Gautherot formam talvez o maior e melhor acervo fotográfico individual do Brasil entre os anos 40 e 60", diz Antonio Fernando de Franceschi, curador da exposição e responsável pela edição do livro.
O arco de temas do fotógrafo é colossal. Ele retrata festas populares (romarias, procissões, Carnaval), edifícios e jardins modernistas (obras de Niemeyer e Burle Marx), monumentos e marcos urbanos (trabalhou para o Serviço do Patrimônio Histórico), o mar e o sertão (jangadas cearenses e o rio São Francisco), além da flora, usinas, portos, estádios, tipos populares.
As fotografias, todas em preto-e-branco, têm enquadramento clássico. Elas prescindem da espetacularização que foi a tônica das fotos da imprensa naquele período, como as das revistas "O Cruzeiro" e "Manchete". O trabalho de Gautherot é sereno e respeitoso. Tem um quê de etnografia, tal o seu apuro documental.
As fotos de Gautherot de obras modernistas, sobretudo as da construção de Brasília, explicam e compartilham as aspirações nacionais na virada dos anos 50 para os 60. Já as fotos do trabalho e das festas de rua procuram captar a dignidade popular: elas mostram uma sociedade sem dúvida pobre, mas mais entrosada, inocente.
Hoje, quando a própria idéia de aspiração nacional está em colapso, e a mercantilização generalizada vem desfazendo os laços sociais, as fotos de Gautherot cumprem um duplo propósito. Elas primeiro expõem o que o Brasil perdeu em termos de convivência social. E servem também de testemunho do ímpeto da utopia modernista, agora em ruínas.
Gautherot pôde perceber o que o Brasil era, e o que os modernistas pretendiam que fosse, porque foi um modernista europeu que se tornou brasileiro. Ele nasceu em Paris, em 1910, filho de um pedreiro e de uma operária.
Estudou arquitetura e decoração, não chegou a se formar, mas aprendeu a admirar o trabalho de modernistas como Le Corbusier, Walter Gropius e Mies van der Rohe. Com 26 anos, ele participou da fundação do Museu do Homem, como arquiteto e decorador, e passou a catalogar as peças do acervo, fotografando-as.
Dois anos depois, leu o romance "Jubiabá", de Jorge Amado, e se encantou com o Brasil. Já como fotógrafo, viajou para o Recife, de lá para o Amazonas, onde pega malária, e depois para o Rio de Janeiro. Adotou o Brasil, onde passou a morar a partir de 1940.
Gautherot conheceu Rodrigo Melo Franco de Andrade, diretor do Serviço do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional, o Spahn. Fizeram um acordo. Melo Franco, que não tinha verba para contratar o fotógrafo, fornecia-lhe cartas de apresentação. Gautherot usava as cartas para cruzar o Brasil dezenas de vezes, tirando fotos. Cedia cópias de algumas delas para o Spahn e ficava com os negativos.
O fotógrafo morreu em 1996, com 86 anos, 57 dos quais vividos no Brasil. Tinha então um arquivo com nada menos que 25 mil negativos. Poucos sabiam da riqueza desse acervo. Oscar Niemeyer, para quem Gautherot havia fotografado dezenas de suas obras, era um deles. Outro era Augusto da Silva Telles, consultor técnico aposentado do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Por meio deles, De Franceschi conheceu o arquivo, guardado precariamente pela família do fotógrafo num apartamento no Flamengo. De Franceschi convenceu o instituto a comprá-lo pelo equivalente a US$ 200 mil, em 99.
Nele estão guardadas as recordações de um Brasil do passado e do que se imaginava o que seria o Brasil do futuro. Ambos morreram, passado e futuro nacionais. Deles restam apenas as fotos de Gautherot.


O BRASIL DE MARCEL GAUTHEROT - exposição no Instituto Moreira Salles (r. Marquês de São Vicente, 476, Gávea, Rio, tel. 0/xx/21/2512-6448). De hoje até 17/ 2/2002. De ter. a dom., das 13h às 19h. Entrada gratuita. O instituto permanecerá fechado de 19/12 a 14/1.

O BRASIL DE MARCEL GAUTHEROT - livro com apresentação de Antonio Fernando de Franceschi e textos de Oscar Niemeyer, Augusto da Silva Telles, Ana Luiza Nobre, Lygia Segala e Rubens Fernandes Junior. Editora: Instituto Moreira Salles. Quanto: R$ 70 (152 págs.). Onde encontrar: no Instituto Moreira Salles do Rio e no Centro Cultural do Instituto Moreira Salles em SP (r. Piauí, 844, tel. 0/xx/11/3825-2560) ou no site www.ims.com.br.



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