São Paulo, Quinta-feira, 07 de Janeiro de 1999
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TELEVISÃO CRÍTICA
"Auto" lança luz ao texto picaresco de Suassuna

PAULO VIEIRA
especial para a Folha

"Auto da Compadecida", o famoso (e primeiro) texto teatral do paraibano Ariano Suassuna, estreou na Globo o formato de "microssérie", cujo principal atributo é sua duração curta -apenas quatro capítulos.
Talvez para não errar, a emissora lançou mão de uma obra escrita há 40 anos, de temática popular, nordestina, e colocou na sua adaptação dois atores, Matheus Nachtergaele e Fernanda Montenegro, que estão em evidência por "Central do Brasil", filme que pode ser o candidato brasileiro ao Oscar.
Mas adaptar para a TV um texto tributário da "commedia dell'arte" e do cordel tem lá suas dificuldades, e a Globo, ao menos no capítulo de estréia, sucumbiu a algumas. João Grilo (Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello), os protagonistas, movem-se por seus feitos de paroleiros, não por suas ações.
Assim, as lorotas macunaímicas de Chicó, fluentes no papel, ganham uma estrutura alegórica e imagens de cartoon, mas nem isso é suficiente para lhes dar a expressão contida no texto.
Também as sucessivas presepadas de Grilo, obra mais do verbo que dos membros, ficam a exigir atenção redobrada do espectador, que é sacrificado pelos infindáveis breaks comerciais e pela própria velocidade da fala do personagem.
Guel Arraes, diretor e um dos adaptadores do "Auto", pôde usar recursos como a filmagem em película, elenco estrelado e locações na própria Taperoá, onde se passa a obra. O cuidado cenográfico, prescindido por Suassuna -o autor imaginava as apresentações do "Auto" em picadeiros-, é um dos pontos altos da adaptação, ainda que isso se subordine, outra vez, à força do texto picaresco.
Talvez para aliviar o peso do original, Arraes operou várias mudanças na obra. Sumiu com o sacristão de Suassuna, diluindo-o no personagem do padre João (o redivivo Rogério Cardoso), que se torna ainda mais ganancioso. Realçou os adultérios da mulher do padeiro (que ganha um nome, Dora) e deixou mais explícita a condição de saltimbancos de Grilo e Chicó, dando-lhes diferentes patrões.
Também disfarçou o cangaceiro Severino em cego, mas, num recurso exemplar, fez-lhe mais tarde apresentar ao público sua verdadeira identidade. Chamariz óbvio e brilhante para que o espectador permanecesse na órbita do "Auto". Há méritos na produção. Um deles, ironicamente, é lançar luz sobre o texto de Suassuna.


O quê: Auto da Compadecida Quando: hoje, às 22h50, e amanhã, às 22h30, na Globo



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