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TELEVISÃO CRÍTICA
"Auto" lança luz ao texto picaresco de Suassuna
PAULO VIEIRA
especial para a Folha
"Auto da Compadecida", o famoso (e primeiro) texto teatral do
paraibano Ariano Suassuna, estreou na Globo o formato de "microssérie", cujo principal atributo
é sua duração curta -apenas quatro capítulos.
Talvez para não errar, a emissora
lançou mão de uma obra escrita há
40 anos, de temática popular, nordestina, e colocou na sua adaptação dois atores, Matheus Nachtergaele e Fernanda Montenegro, que
estão em evidência por "Central do
Brasil", filme que pode ser o candidato
brasileiro ao Oscar.
Mas adaptar para a TV um texto
tributário da "commedia dell'arte"
e do cordel tem lá suas dificuldades, e a Globo, ao menos no capítulo de estréia, sucumbiu a algumas.
João Grilo (Nachtergaele) e Chicó
(Selton Mello), os protagonistas,
movem-se por seus feitos de paroleiros, não por suas ações.
Assim, as lorotas macunaímicas
de Chicó, fluentes no papel, ganham uma estrutura alegórica e
imagens de cartoon, mas nem isso
é suficiente para lhes dar a expressão contida no texto.
Também as sucessivas presepadas de Grilo, obra mais do verbo
que dos membros, ficam a exigir
atenção redobrada do espectador,
que é sacrificado pelos infindáveis
breaks comerciais e pela própria
velocidade da fala do personagem.
Guel Arraes, diretor e um dos
adaptadores do "Auto", pôde usar
recursos como a filmagem em película, elenco estrelado e locações na
própria Taperoá, onde se passa a
obra. O cuidado cenográfico, prescindido por Suassuna -o autor
imaginava as apresentações do
"Auto" em picadeiros-, é um dos
pontos altos da adaptação, ainda
que isso se subordine, outra vez, à
força do texto picaresco.
Talvez para aliviar o peso do original, Arraes operou várias mudanças na obra. Sumiu com o sacristão de Suassuna, diluindo-o no
personagem do padre João (o redivivo Rogério Cardoso), que se torna ainda mais ganancioso. Realçou
os adultérios da mulher do padeiro
(que ganha um nome, Dora) e deixou mais explícita a condição de
saltimbancos de Grilo e Chicó,
dando-lhes diferentes patrões.
Também disfarçou o cangaceiro
Severino em cego, mas, num recurso exemplar, fez-lhe mais tarde
apresentar ao público sua verdadeira identidade. Chamariz óbvio
e brilhante para que o espectador
permanecesse na órbita do "Auto". Há méritos na produção. Um
deles, ironicamente, é lançar luz
sobre o texto de Suassuna.
O quê: Auto da Compadecida
Quando: hoje, às 22h50, e amanhã, às
22h30, na Globo
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