São Paulo, Quinta-feira, 07 de Janeiro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Olhos de Farol" retoma simpatia pela marginália

do enviado ao Rio

"Olhos de Farol" parte de uma premissa que poucos na sagrada MPB parecem dispostos a tolerar: nele, Ney sugere simpatia por artistas marginalizados pelo mercadão de pulgas e parece mesmo querer jogar foco sobre certas sombras com uns olhos de farol.
A tática remete a seu próprio passado musical. Rendendo-se a artistas como Itamar Assumpção, Lenine e Pedro Luís, que só conseguiram aparecer aos 30 e poucos anos, refaz sua própria trajetória.
É um apreço pelo underground, que reprisa, ainda que de modo empalidecido, a fratura que Ney, João Ricardo, Gerson Conrad e Marcelo Frias causaram em 73, ao lançar "Secos & Molhados".
Era o primeiro -talvez o único- disco brasileiro sobre "outing" (sobre sair do armário, assumir-se gay, essas coisas). Impressionou quem quer que o tenha ouvido, mesmo que à revelia. Por acaso ou não, até hoje esse disco ecoa -Capital Inicial acaba de regravar "Assim Assado" , Renato Braz fez o mesmo com "El Rey".
De lá em diante, em preciosidades como "Ney Matogrosso" (75) e "Bandido" (76), Ney arcou sozinho com a corda bamba entre paródia/estereótipo e pura coragem.
Pois bem, "Olhos de Farol" vem, após uma fase de sofisticação artificiosa, reencarar o mito pop. Nesse sentido, é tanto fusão do maluco anterior com o técnico de agora quanto retomada titubeante do artesão íntegro dos anos 70.
O que há de mais devedor a sua própria história é o que mais funciona no CD. É o caso de baladas singelas como "Novamente", "Poema" (letra inédita de Cazuza, em melodia que evoca bem de longe o clássico "Sangue Latino") e "Chance de Aladim", cantadas sem os arroubos que vinham caracterizando seus discos recentes.
É o caso, também, de semi-épicos como "Mais Além", "Bomba H" (da lavra de Itamar Assumpção, que a co-autora Alzira Espíndola gravou em 96) e "A Cara do Brasil" (de Celso Viáfora e Vicente Barreto, em arranjo ultra-sofisticado e nada afetado).
Mas, tateante ainda na volta a seu habitat natural, Ney escorrega em modismos aqui e ali. "Miséria no Japão" e "Fazê o Quê?", de Pedro Luís, soam menos naturais na voz e nas percussões de Ney que nas do autor e de seu grupo A Parede.
A faixa-título, de Ronaldo Bastos e Flávio Henrique, recai na "alma" piegas em que Ney vinha insistindo em anos recentes. O arranjo de "Vira-Lata de Raça", de Rita Lee, com sopros à Skank, resulta mais vira-lata que de raça, o que se intensifica em "O Som do Mundo", de Samuel Rosa e Chico Amaral.
Desvela-se aí a face acomodada do artista, que o tornou menos interessante do que é de fato ao longo dos anos e ainda se faz presente nesse disco. Ney é incomum ao (ainda) abrir olhos de farol a certos subterrâneos, mas talvez pudesse dar um pouco só de ouvidos ao moleque Marilyn Manson. (PAS)


Disco:Olhos de Farol Artista: Ney Matogrosso Lançamento: PolyGram Quanto: R$ 18, em média



Texto Anterior: Música: Ney Matogrosso volta ao universo pop
Próximo Texto: Bacon - "A Brutalidade do Fato" traz novas verdades sobre o artista
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.